terça-feira, 25 de novembro de 2008

Giachimo Cerutti

Atualmente começo a preparar dois cursos de história da filosofia que, provavelmente, ministrarei no próximo ano. É um período sempre bom, de leituras, descobertas e redescobertas. Uma das descobertas foi a obra de Giuseppe Antonio Giachimo Cerutti (1738-1792). Nascido em Turim e radicado na França, foi jesuíta, escritor, político e jornalista. Foi deputado na Assembléia legislativa francesa em 1791, mesmo ano em que publica seu Breviário filosófico ou História do judaísmo, do cristianismo e do deísmo em 33 versos. O breviário é dividido em duas partes: um pequeno poema, em 33 versos, atribuído ao Frederico II, rei da Prússia e protetor de Voltaire; seguem-se 33 notas de Cerutti, que compõem a parte mais extensa da obra.
Há quem afirme serem, os 33 versos originários, também de autoria de Cerutti... provavelmente nunca saberemos. Transcrevo-os abaixo. Antes, a título de curiosidade: o Breviário foi editado sem o nome do autor, muito provavelmente em função de seu caráter polêmico, crítico a passagens bíblicas, que ainda levava pessoas à fogueira, em certos cantos do mundo, naqueles dias.

Breviário...
  1. Em um jardim temporão, Adão, ao lado de Eva,
  2. Preparava, dos humanos, o berço paternal.
  3. A serpente ali introduziu-se furtivamente: seu bafo criminoso
  4. Da árvore da vida, a seiva envenenou.
  5. Tudo foi perdido. Maculado por um vício original,
  6. O embrião foi condenado no ventre materno.
  7. Contra o Todo-Poderoso, o mundo rebelou-se:
  8. O inferno por uma maçã! Adonai cruel
  9. Nero, Tibério ou Cromwell teriam feito pior?
  10. Jeová arrependeu-se. Ele concedeu uma trégua.
  11. Moisés, desse contrato, é a solene testemunha.
  12. Acompanhado da arca, e precedido da espada,
  13. Para a Terra Prometida ele guiou Israel:
  14. Moribundo, ele anunciou o Cristo, o Emanuel,
  15. O Messias. À menção desse nome, o universo se anima,
  16. E da nuvem aberta espera o imortal...
  17. Ao nascer de um dia puro, no momento de um belo sonho,
  18. À tocante voz do eterno Gabriel,
  19. nos flancos de uma virgem, um deus caiu do céu:
  20. Ele nasce, prega, morre. O papado eleva-se.
  21. A tiara, a batina, a estola e o missal
  22. Iriam fazer do mundo um claustro universal...
  23. Lutero salvou o Norte, Calvino salvou Genebra,
  24. Mas ele queimou Servet e baniu Farrel
  25. Henrique, com o machado nas mãos, despedaçou o antigo altar.
  26. Com ele, uma única dúvida conduzia à Place de Grève:
  27. Ele inventou o infame ritual do Test
  28. De uma escola mais justa, aluno independente,
  29. Penn foi o primeiro a construir um templo fraterno,
  30. Onde a fé vive sem padres e disputa sem fel.
  31. Voltaire surgiu, enfim, e a obra foi concluída:
  32. Ele ensinou à terra um culto natural
  33. E libertou o Eterno de sua máscara pavorosa.


Leiamos Voltaire!

Tradução de Regina Schopke e Mauro Baladi, publicado pela Martin Fontes no livro Filosofia clandestina (2008).

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