Nas próximas semanas as publicações no Blog serão mais esporádicas. Aproveitarei o período de férias acadêmicas para estudar, escrever, viajar... Publicarei postagens ocasionalmente e voltarei a ativa, de verdade, no final de janeiro.
Boas festas e bom 2009 a todos!
sábado, 20 de dezembro de 2008
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Tragtenberg em livro
Acaba de ser lançado pela Editora da Unijuí o livro Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária, do meu amigo e destacado professor-militante Antonio Ozaí (clique aqui para conhecer seu blog). Repasso abaixo os breves textos de divulgação do livro, que anseio por poder ler:
Antonio Ozaí da Silva
Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária
Ijuí: Editora Unijuí, 2008 (344p.)
Site: http://www.editoraunijui.com.br
Email: editorapedidos@unijui.edu.br
+ informações >>>
Este é um livro sobre um intelectual inovador a quem o Brasil ainda deve, mas que o pensamento crítico vem reconhecendo paulatinamente. Um autor que pensou e contribuiu para a educação de modo não-formal, incomum e essencialmente crítico, confiando no papel formador da negação dialética do instituído. Sem se reter aos espaços que tradicionalmente se convencionou delimitar por “acadêmicos”, como Gorki ele considerava as vivências e lutas de sua trajetória como “as minhas universidades”.
Não é gratuito, portanto, que Antonio Ozaí da Silva inicie esta obra sobre Maurício Tragtenberg esquadrinhando os contextos de sua vida e os influxos de seu engajamento militante. O tema da educação libertária não pode ser apreendido nem encerrado nos marcos investigativos do formalismo pedagógico institucional. Isto é, filosoficamente compreendida, a obra de Ozaí lida com um método de abordagem que sabe reconhecer, respeita e não elide o que lhe demanda a natureza do seu objeto de análise.
O livro esclarece, com propriedade, que Tragtenberg, ele mesmo de formação parcialmente autodidata, articula o seu princípio político-pedagógico libertário a partir da defesa da auto-organização dos trabalhadores. Crítico da cisão teoria–prática e da hierarquia intelectual manifestas no homo academicus, ele via na autogestão dos operários o modo social destes recobrarem integralmente o saber e a condição intelectual deles apartados pela classe dominante, que os marginaliza no processo do fazer, negando-lhes o do conhecer.
Com uma obra marcada pelo decantamento crítico das raízes e da natureza histórico-social da dominação burocrática, Tragtenberg levou para a análise da educação os seus princípios teóricos mais gerais. Introduzindo e impondo respeito à pedagogia libertária na universidade brasileira, atacou a ritualística adestradora da educação burocrático-formal, fazendo da defesa da autogestão educacional, da autonomia do indivíduo e da solidariedade anticoncorrencial as balizas de sua pedagogia integral e igualitária, centrada nos interesses dos educandos.
Por fim, este estudo sobre a práxis militante e educativa de Tragtenberg carrega, ainda, um interesse peculiar: na sua leitura do mestre Tragtenberg – título que ele recusaria –, essas páginas vão calando uma a uma, e revelam, de quebra, parte dos fundamentos inspiradores de onde brota o perfil engajado antielitista do próprio cientista social e educador Antonio Ozaí da Silva, manifesto em seu notável empenho, como escritor e editor, pela qualificação crítica e plural da cultura. Enquanto continuidade dessa práxis educativa igualmente informal, essas páginas compõem uma exposição que honra a justa crítica de Tragtenberg ao vetusto e socialmente inútil elitismo acadêmico.
Paulo Denisar Fraga
Professor de Filosofia, Metodologia da Ciência e Pesquisa da Universidade Federal de Alfenas, MG
Sinopse (resumo)
O leitor tem em suas mãos um livro que representa um exercício de pedagogia crítica porque rememora para as gerações atuais e futuras o pensamento e a prática do pensador social, educador e ativista político Maurício Tragtenberg, reconhecido por sua atuação libertária nos processos educativos e políticos, tanto no sistema escolar formal, quanto nas redes de movimentos sociais, e sempre empenhado em trazer para o espaço burocrático administrado da universidade a concepção do conhecimento como projeto de emancipação; bem como em realizar uma intervenção política libertária que leve para o restante da experiência social os conhecimentos construídos na universidade.
Ao discutir os vários momentos da trajetória pessoal, política e pedagógica de Maurício Tragtenberg, este livro torna explícita a intenção do autor em realizar uma possível continuidade para a pedagogia do exemplo proposta e praticada por Tragtenberg e experienciada diretamente por Antonio Ozaí da Silva, em uma demonstração de que nos processos investigativos e educativos não há sujeitos nem objetos, pois o outrora professor Tragtenberg, com sua ação pedagógica se transforma em tema de um estudo de um ex-orientando, atualmente professor, pesquisador e ativista empenhado em uma política cultural radical, e que através deste trabalho nos propicia uma espécie de sublimação da dor que sentimos com a perda daquele que consideramos "o mestre": Maurício Tragtenberg.
Walter Praxedes
Doutor em Educação pela USP e docente da Universidade Estadual de Maringá
Sobre o autor
Antonio Ozaí da Silva é graduado em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a orientação de Maurício Tragtenberg. É doutor em Educação pela Universidade de São Paulo sob a orientação de Nelson Piletti e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá, PR. É editor dos periódicos Revista Espaço Acadêmico, Urutágua e Acta Scientiarum: Human and Social Sciences, sendo autor de inúmeros artigos e do livro História das tendências no Brasil (SP: Proposta, 1987), que teve grande repercussão no estudo da formação das organizações, grupos e partidos da esquerda brasileira.
Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária
Ijuí: Editora Unijuí, 2008 (344p.)
Site: http://www.editoraunijui.com.br
Email: editorapedidos@unijui.edu.br
+ informações >>>
Este é um livro sobre um intelectual inovador a quem o Brasil ainda deve, mas que o pensamento crítico vem reconhecendo paulatinamente. Um autor que pensou e contribuiu para a educação de modo não-formal, incomum e essencialmente crítico, confiando no papel formador da negação dialética do instituído. Sem se reter aos espaços que tradicionalmente se convencionou delimitar por “acadêmicos”, como Gorki ele considerava as vivências e lutas de sua trajetória como “as minhas universidades”.
Não é gratuito, portanto, que Antonio Ozaí da Silva inicie esta obra sobre Maurício Tragtenberg esquadrinhando os contextos de sua vida e os influxos de seu engajamento militante. O tema da educação libertária não pode ser apreendido nem encerrado nos marcos investigativos do formalismo pedagógico institucional. Isto é, filosoficamente compreendida, a obra de Ozaí lida com um método de abordagem que sabe reconhecer, respeita e não elide o que lhe demanda a natureza do seu objeto de análise.
O livro esclarece, com propriedade, que Tragtenberg, ele mesmo de formação parcialmente autodidata, articula o seu princípio político-pedagógico libertário a partir da defesa da auto-organização dos trabalhadores. Crítico da cisão teoria–prática e da hierarquia intelectual manifestas no homo academicus, ele via na autogestão dos operários o modo social destes recobrarem integralmente o saber e a condição intelectual deles apartados pela classe dominante, que os marginaliza no processo do fazer, negando-lhes o do conhecer.
Com uma obra marcada pelo decantamento crítico das raízes e da natureza histórico-social da dominação burocrática, Tragtenberg levou para a análise da educação os seus princípios teóricos mais gerais. Introduzindo e impondo respeito à pedagogia libertária na universidade brasileira, atacou a ritualística adestradora da educação burocrático-formal, fazendo da defesa da autogestão educacional, da autonomia do indivíduo e da solidariedade anticoncorrencial as balizas de sua pedagogia integral e igualitária, centrada nos interesses dos educandos.
Por fim, este estudo sobre a práxis militante e educativa de Tragtenberg carrega, ainda, um interesse peculiar: na sua leitura do mestre Tragtenberg – título que ele recusaria –, essas páginas vão calando uma a uma, e revelam, de quebra, parte dos fundamentos inspiradores de onde brota o perfil engajado antielitista do próprio cientista social e educador Antonio Ozaí da Silva, manifesto em seu notável empenho, como escritor e editor, pela qualificação crítica e plural da cultura. Enquanto continuidade dessa práxis educativa igualmente informal, essas páginas compõem uma exposição que honra a justa crítica de Tragtenberg ao vetusto e socialmente inútil elitismo acadêmico.
Paulo Denisar Fraga
Professor de Filosofia, Metodologia da Ciência e Pesquisa da Universidade Federal de Alfenas, MG
Sinopse (resumo)
O leitor tem em suas mãos um livro que representa um exercício de pedagogia crítica porque rememora para as gerações atuais e futuras o pensamento e a prática do pensador social, educador e ativista político Maurício Tragtenberg, reconhecido por sua atuação libertária nos processos educativos e políticos, tanto no sistema escolar formal, quanto nas redes de movimentos sociais, e sempre empenhado em trazer para o espaço burocrático administrado da universidade a concepção do conhecimento como projeto de emancipação; bem como em realizar uma intervenção política libertária que leve para o restante da experiência social os conhecimentos construídos na universidade.
Ao discutir os vários momentos da trajetória pessoal, política e pedagógica de Maurício Tragtenberg, este livro torna explícita a intenção do autor em realizar uma possível continuidade para a pedagogia do exemplo proposta e praticada por Tragtenberg e experienciada diretamente por Antonio Ozaí da Silva, em uma demonstração de que nos processos investigativos e educativos não há sujeitos nem objetos, pois o outrora professor Tragtenberg, com sua ação pedagógica se transforma em tema de um estudo de um ex-orientando, atualmente professor, pesquisador e ativista empenhado em uma política cultural radical, e que através deste trabalho nos propicia uma espécie de sublimação da dor que sentimos com a perda daquele que consideramos "o mestre": Maurício Tragtenberg.
Walter Praxedes
Doutor em Educação pela USP e docente da Universidade Estadual de Maringá
Sobre o autor
Antonio Ozaí da Silva é graduado em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a orientação de Maurício Tragtenberg. É doutor em Educação pela Universidade de São Paulo sob a orientação de Nelson Piletti e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá, PR. É editor dos periódicos Revista Espaço Acadêmico, Urutágua e Acta Scientiarum: Human and Social Sciences, sendo autor de inúmeros artigos e do livro História das tendências no Brasil (SP: Proposta, 1987), que teve grande repercussão no estudo da formação das organizações, grupos e partidos da esquerda brasileira.
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Um certo prazer
Penso que não é novidade - ao menos para quem acompanha esse Blog - que simpatizo com o chamado pensamento hedonista, desde que, como já destaquei, entenda-se o hedonismo desprovido de toda aquela carga pré-conceituosa que lhe foi imposta pela tradição filosófica, pelo menos desde Platão.
Na prática e de maneira muitíssimo simplista: se eu precisar escolher entre uma corrente filosófica que, como Aristóteles, entende que o objetivo da vida é a felicidade contemplativa; ou outra corrente que, por exemplo como Aristipo, aponta que a felicidade é algo como uma sucessão de prazeres, e portanto o que buscamos diretamente são esses prazeres; eu fico com este segundo e menos conhecido "Ari".
E é difundindo o direito aos prazeres, convido-os a conhecer o Blog do Bergamo, chef e professor de Gastronomia - o que, de alguma forma, o torna um grande "proporcionador de prazeres". Vale a pena.
Na prática e de maneira muitíssimo simplista: se eu precisar escolher entre uma corrente filosófica que, como Aristóteles, entende que o objetivo da vida é a felicidade contemplativa; ou outra corrente que, por exemplo como Aristipo, aponta que a felicidade é algo como uma sucessão de prazeres, e portanto o que buscamos diretamente são esses prazeres; eu fico com este segundo e menos conhecido "Ari".
E é difundindo o direito aos prazeres, convido-os a conhecer o Blog do Bergamo, chef e professor de Gastronomia - o que, de alguma forma, o torna um grande "proporcionador de prazeres". Vale a pena.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
Educação laica?
sábado, 13 de dezembro de 2008
O Ato nº 5
Li nesta matéria da Folha de S. Paulo que em pesquisa de campo realizada, constatou-se que 82% dos brasileiros maiores de 18 anos entrevistados nunca ouviram falar e não sabiam do que se tratava o Ato Institucional nº 5 - o AI-5 - editado pelo ditador Costa e Silva há 40 anos, em 13 de dezembro de 1968. O Ato cumpriu, pelo menos, dois papéis importantes na história do Brasil e da América Latina (visto o quanto influenciamos e favorecemos as ditaduras nos países vizinhos): primeiro e mais concreto, legalizou a opressão, possibilitando que as atrocidades cometidas pelo regime ditatorial não precisassem ser "escondidas" ou "desculpadas" - tudo era legítimo. O outro papel é, por assim dizer, simbólico. O Ato é a simbolização sintética da própria ditadura - e nós sabemos quão poderosos são os símbolos...
Embora conhecesse trechos dele, eu mesmo nunca o tinha lido na íntegra até há pouco tempo, quando o recebi de uma amiga, Teca, que desenvolvia pesquisa sobre ética e imprensa na ditadura. Caso alguém se interesse, está disponível aqui.
Embora conhecesse trechos dele, eu mesmo nunca o tinha lido na íntegra até há pouco tempo, quando o recebi de uma amiga, Teca, que desenvolvia pesquisa sobre ética e imprensa na ditadura. Caso alguém se interesse, está disponível aqui.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Rábpidas & Ácidas (IV - fim)
E para concluir essa rápida série de pensamentos ácidos, que, espero, aproveitemos bem:
Estou seguro de que se Roma quisesse explicar-se de boa-fé, ela confessaria que teria preferido que todos os habitantes do Novo Mundo fossem condenados aos diabos a que os tivessem descoberto. Com efeito, não se pode perdoar Jesus Cristo por não ter feito menção dessa vasta parte do universo nos departamentos que ele concedeu aos seus apóstolos. Os selvagens da América não são judeus nem gentios, mas bem mereciam que o filho de Deus lhes delegasse ao menos um discípulo. E essa desatenção é bem deplorável para aqueles que morreram entre o tempo da vinda de Jesus Cristo e aquele em que foi feita a descoberta de suas terras
Nesse recenseamento de tantos horrores, incluamos, sobretudo, os 12 milhões de homens destruídos no vasto continente do Novo Mundo. Essa proscrição é, em comparação com todas as outras, o que seria o incêndio da metade da Terra comparado ao de algumas aldeias.
Jamais este desgraçado globo experimentou uma devastação mais horrível e mais generalizada, e jamais um crime foi mais bem comprovado. Las Casas, bisco de Chiapas, na Nova Espanha, tendo percorrido durante mais de trinta anos as ilhas e a terra firme descoberta, foi testemunha ocular desses trinta anos de destruição.
[...]
Las Casas diz que esses povos destruídos eram de uma espécie mansa, frágil e inocente, incapaz de causar danos e de resistir, e cuja maior parte não conhecia as vestimentas e as armas, do mesmo modo como não conhecia nossos animais domésticos.
[...]
“Tomo Deus por testemunha”, responde o digno bispo Las Casas “que caluniais esses inocentes depois de havê-los degolado. Não, não era de modo algum entre eles que reinava a pederastia e que o horror de comer a carne humana havia se introduzido [...]. Vós é que sois mais cruéis que os antropófagos, porque eu vos vi treinarem enormes cães para irem à caça de homens como se ai à caça das bestas ferozes. Eu vos vi dar vossos semelhantes para vossos cães devorarem. Eu escutei espanhóis dizerem a seus camaradas: ‘Empresta-me um lombo de índio para o almoço dos meus filas, que amanhá te devolverei um quarto’. Foi, enfim, apenas em vossas casas que vi carne humana exposta em vossas despensas, seja para vossos cães, seja para vós mesmos.
Estou seguro de que se Roma quisesse explicar-se de boa-fé, ela confessaria que teria preferido que todos os habitantes do Novo Mundo fossem condenados aos diabos a que os tivessem descoberto. Com efeito, não se pode perdoar Jesus Cristo por não ter feito menção dessa vasta parte do universo nos departamentos que ele concedeu aos seus apóstolos. Os selvagens da América não são judeus nem gentios, mas bem mereciam que o filho de Deus lhes delegasse ao menos um discípulo. E essa desatenção é bem deplorável para aqueles que morreram entre o tempo da vinda de Jesus Cristo e aquele em que foi feita a descoberta de suas terras
Anônimo [em Giordano Bruno Redivivo]
Nesse recenseamento de tantos horrores, incluamos, sobretudo, os 12 milhões de homens destruídos no vasto continente do Novo Mundo. Essa proscrição é, em comparação com todas as outras, o que seria o incêndio da metade da Terra comparado ao de algumas aldeias.
Jamais este desgraçado globo experimentou uma devastação mais horrível e mais generalizada, e jamais um crime foi mais bem comprovado. Las Casas, bisco de Chiapas, na Nova Espanha, tendo percorrido durante mais de trinta anos as ilhas e a terra firme descoberta, foi testemunha ocular desses trinta anos de destruição.
[...]
Las Casas diz que esses povos destruídos eram de uma espécie mansa, frágil e inocente, incapaz de causar danos e de resistir, e cuja maior parte não conhecia as vestimentas e as armas, do mesmo modo como não conhecia nossos animais domésticos.
[...]
“Tomo Deus por testemunha”, responde o digno bispo Las Casas “que caluniais esses inocentes depois de havê-los degolado. Não, não era de modo algum entre eles que reinava a pederastia e que o horror de comer a carne humana havia se introduzido [...]. Vós é que sois mais cruéis que os antropófagos, porque eu vos vi treinarem enormes cães para irem à caça de homens como se ai à caça das bestas ferozes. Eu vos vi dar vossos semelhantes para vossos cães devorarem. Eu escutei espanhóis dizerem a seus camaradas: ‘Empresta-me um lombo de índio para o almoço dos meus filas, que amanhá te devolverei um quarto’. Foi, enfim, apenas em vossas casas que vi carne humana exposta em vossas despensas, seja para vossos cães, seja para vós mesmos.
Voltaire
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Rápidas & Ácidas (III)
Um pouco mais do mesmo:
A partir do momento em que o prazer ou a dor deixam de se fazer ouvir (e não dirigem mais nossos passos), corremos um grande risco de nos perder. A procura de um e a fuga do outro são os únicos guias fiéis que os homens – e, de modo geral, todos os animais – têm para se orientar.
É fácil concluir o quanto o sábio insensível dos estóicos está distante da perfeição de nosso filósofo. Queremos um homem, e o sábio estóico não passava de um fantasma. Eles enrubesciam por causa da humanidade, enquanto nós fazemos dela nossa glória. Queremos tirar proveito das paixões, queremos fazer delas um uso racional e, por conseguinte, possível, e eles queriam loucamente aniquilar as paixões e nos pôr abaixo de nossa natureza por meio de uma insensibilidade quimérica. As paixões ligam os homens entre si, e essa ligação é para nós um doce prazer. Nós não queremos destruir nossas paixões nem ser destruídos por elas...
Homo sum, et nihil humani a me alienum puto (Sou homem, e nada daquilo que diz respeito à humanidade deve me ser estranho)
A partir do momento em que o prazer ou a dor deixam de se fazer ouvir (e não dirigem mais nossos passos), corremos um grande risco de nos perder. A procura de um e a fuga do outro são os únicos guias fiéis que os homens – e, de modo geral, todos os animais – têm para se orientar.
Anônimo [em Giordano Bruno Redivivo]
É fácil concluir o quanto o sábio insensível dos estóicos está distante da perfeição de nosso filósofo. Queremos um homem, e o sábio estóico não passava de um fantasma. Eles enrubesciam por causa da humanidade, enquanto nós fazemos dela nossa glória. Queremos tirar proveito das paixões, queremos fazer delas um uso racional e, por conseguinte, possível, e eles queriam loucamente aniquilar as paixões e nos pôr abaixo de nossa natureza por meio de uma insensibilidade quimérica. As paixões ligam os homens entre si, e essa ligação é para nós um doce prazer. Nós não queremos destruir nossas paixões nem ser destruídos por elas...
César Chesneau du Marsais
Homo sum, et nihil humani a me alienum puto (Sou homem, e nada daquilo que diz respeito à humanidade deve me ser estranho)
Terêncio (citado por Cheneau du Marsais)
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Rápidas & Ácidas (II)
Continuando, na linha da postagem anterior:
Toda ciência que não nos torna melhores é inútil e quase sempre perigosa.
A descoberta da verdade sempre foi o maior obstáculo aos sistemas de religião. E é por isso que os padres cristãos, que conheciam a causa da queda de seus predecessores, sempre tentaram sufocar as ciências desde o berço. Como a experiência fez ver que os autores dos livros sagrados haviam errado sobre alguns fatos notáveis, concluiu-se pela não-divindade dessas obras,. Indo mais longe, observou-se que esse sistema do mundo tão belo e, na aparência, tão miraculoso não era no fundo senão um arranjo necessário, que não poderia ser de outro modo. Inferiu-se daí que uma causa primeira não seria – se ela existisse – senão uma causa ociosa e inútil. Essas conseqüências evidentes dos princípios mais certos não poderiam deixar de ser fatais para os padres, e eles nada pouparam para interromper o encadeamento que levaria à sua destruição total. Seu ardor em perseguir os sábios não diminuiu, no entanto, o zelo destes últimos: eles não deixaram ao erro o tempo de desfrutar do benefício da prescrição
(Observação minha: quando li, pensei que o autor se referia à recente discussão sobre a liberação do uso de células tronco em pesquisas científicas; só depois lembrei-me que o texto data de 1771)
Se os homens têm tanta dificuldade para unir a idéia do pensamento com a idéia da extensão, é porque eles nunca viram a extensão pensar. Eles são, com relação a isso, como um homem que nasceu cego é com relação às cores ou como um surdo de nascença é com relação aos sons: estes não conseguiriam unir essas idéias com a extensão que eles apalpam, porque jamais presenciaram essa união.
Toda ciência que não nos torna melhores é inútil e quase sempre perigosa.
César Chesneau du Marsais
A descoberta da verdade sempre foi o maior obstáculo aos sistemas de religião. E é por isso que os padres cristãos, que conheciam a causa da queda de seus predecessores, sempre tentaram sufocar as ciências desde o berço. Como a experiência fez ver que os autores dos livros sagrados haviam errado sobre alguns fatos notáveis, concluiu-se pela não-divindade dessas obras,. Indo mais longe, observou-se que esse sistema do mundo tão belo e, na aparência, tão miraculoso não era no fundo senão um arranjo necessário, que não poderia ser de outro modo. Inferiu-se daí que uma causa primeira não seria – se ela existisse – senão uma causa ociosa e inútil. Essas conseqüências evidentes dos princípios mais certos não poderiam deixar de ser fatais para os padres, e eles nada pouparam para interromper o encadeamento que levaria à sua destruição total. Seu ardor em perseguir os sábios não diminuiu, no entanto, o zelo destes últimos: eles não deixaram ao erro o tempo de desfrutar do benefício da prescrição
(Observação minha: quando li, pensei que o autor se referia à recente discussão sobre a liberação do uso de células tronco em pesquisas científicas; só depois lembrei-me que o texto data de 1771)
Anônimo [em Giordano Bruno Redivivo]
Se os homens têm tanta dificuldade para unir a idéia do pensamento com a idéia da extensão, é porque eles nunca viram a extensão pensar. Eles são, com relação a isso, como um homem que nasceu cego é com relação às cores ou como um surdo de nascença é com relação aos sons: estes não conseguiriam unir essas idéias com a extensão que eles apalpam, porque jamais presenciaram essa união.
César Chesneau du Marsais
domingo, 7 de dezembro de 2008
Rápidas & Ácidas (I)
Acabo de concluir a leitura do livro Filosofia clandestina: cinco tratados franceses do século XVIII, traduzido e apresentado por Regina Scöpke e Mauro Baladi e publicado pela Ed. Martins Fontes. Já publiquei neste Blog dois pequenos excertos deste livro, mas penso que há mais provocações que podem nos instigar. Seguem, então, pequenas doses de acidez filosófica:
É o mesmo temperamento em toda parte, mas ocupado com objetos diferentes: Madalena que ama o mundo e Madalena que ama a Deus é sempre Madalena que ama.
Confiai vosso vinho, de preferência, a quem naturalmente não o aprecia, em vez de confiá-lo a quem toma todos os dias novas resoluções de nunca mais se embriagar
Nosso sábio, que não espera nada nem teme nada depois da morte, parecer perder um motivo a para ser um homem honesto durante a vida. No entanto, ele ganha com isso consistência, por assim dizer, e vivacidade no motivo que o faz agir: motivo que é tanto mais forte por ser puramente humano e natural. Esse motivo é a própria satisfação que ele encontra em estar contente consigo mesmo, seguindo as regras da probidade – motivo que o supersticioso só tem imperfeitamente, porque tudo que nele existe de bom ele deve atribuir à graça.
Nós só pecamos porque as luzes são mais fracas que a paixão
Se afastam da justa idéia do filósofo esses indolentes que, entregues a uma meditação preguiçosa, negligenciam o cuidado de seus negócios temporais e de tudo aquilo que se chama “fortuna”. O verdadeiro filósofo não é de modo algum atormentado pela ambição. No entanto, ele quer ter as doces comodidades da vida. Ele precisa – além do estritamente necessário – de um honesto supérfluo, necessário a um homem honesto, e que é a condição para ser feliz. É o fundamento da decência e dos deleites.
É o mesmo temperamento em toda parte, mas ocupado com objetos diferentes: Madalena que ama o mundo e Madalena que ama a Deus é sempre Madalena que ama.
César Chesneau du Marsais
Confiai vosso vinho, de preferência, a quem naturalmente não o aprecia, em vez de confiá-lo a quem toma todos os dias novas resoluções de nunca mais se embriagar
César Chesneau du Marsais
Nosso sábio, que não espera nada nem teme nada depois da morte, parecer perder um motivo a para ser um homem honesto durante a vida. No entanto, ele ganha com isso consistência, por assim dizer, e vivacidade no motivo que o faz agir: motivo que é tanto mais forte por ser puramente humano e natural. Esse motivo é a própria satisfação que ele encontra em estar contente consigo mesmo, seguindo as regras da probidade – motivo que o supersticioso só tem imperfeitamente, porque tudo que nele existe de bom ele deve atribuir à graça.
César Chesneau du Marsais
Nós só pecamos porque as luzes são mais fracas que a paixão
César Chesneau du Marsais
Se afastam da justa idéia do filósofo esses indolentes que, entregues a uma meditação preguiçosa, negligenciam o cuidado de seus negócios temporais e de tudo aquilo que se chama “fortuna”. O verdadeiro filósofo não é de modo algum atormentado pela ambição. No entanto, ele quer ter as doces comodidades da vida. Ele precisa – além do estritamente necessário – de um honesto supérfluo, necessário a um homem honesto, e que é a condição para ser feliz. É o fundamento da decência e dos deleites.
César Chesneau du Marsais
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
Ah! O amor
Na busca por me manter apaixonado - por pensamentos, pelos mundo, pela vida e por alguém - não pude deixar de publicar:
Há algo que vem de repente como um vento num quente anoitecer de verão.
Te pega desprevenido, e te deixa sem tranquilidade.
Persegue você como uma sombra, e é impossível de escapar.
Não sei o que é, então só posso chamá-lo de amor.
Do diário de Yu Hong.
Estou certo que o mundo seria um lugar muito melhor se as pessoas se permitissem apaixonar mais...
Há algo que vem de repente como um vento num quente anoitecer de verão.
Te pega desprevenido, e te deixa sem tranquilidade.
Persegue você como uma sombra, e é impossível de escapar.
Não sei o que é, então só posso chamá-lo de amor.
Do diário de Yu Hong.
Estou certo que o mundo seria um lugar muito melhor se as pessoas se permitissem apaixonar mais...
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Ética em Dussel - evento
Segue abaixo o convite para a última edição deste ano dos Seminários Abertos de Filosofia da Educação, mantidos pelo NEPEFE/USP. O expositor, prof. Claudenir Módolo, é um velho companheiro de estudos dusselianos, tendo sido um dos principais organizadores dos "Encontros Regionais sobre o Pensamento de Enrique Dussel", com edições realizadas na PUC-SP e na Metodista.
NUCLEO DE ESTUDO E PESQUISA EM FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO - NEPEFE
A ÁREA TEMÁTICA de FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E
O NUCLEO de ESTUDO e PESQUISA EM FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
convidam para a sessão dos
SEMINÁRIOS ABERTOS DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Temática geral do semestre: O pensamento filosófico-educacional na América Latina
Dia: 04 de dezembro de 2008
14:00-17:00 h. Faculdade de Educação / USP
Av. da Universidade, 308 - Cidade Universitária
Sala 103, Bloco B
Tema do dia:
Enrique Dussel: uma ética da libertação.
Expositor: Claudenir Módolo Alves.
Graduado em Filosofia pela Universidade São Francisco (1998) e em Teologia pela Faculdade de Teologia de Nossa Senhora Assunção (2002) e mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005), tendo elaborado a dissertação Ética da libertação: a vítima na perspectiva dusseliana. É autor de Arte, conhecimento e inclusão digital (Revista Eletrôncia Espiral, v. 19, 2004) e Comunicação, divulgação e Super Cyber (Revista Vox Scientiae, v. 21, 2004).. Atua no campo editorial, junto à Editora Paulus e é docente do Centro Universitário São Camilo.
Orientação de leitura prévia
O expositor recomenda a leitura de parte de sua dissertação [Ética da libertação: a vítima na perspectiva dusseliana], que vai da p. 36 à p. 83 . Ela se encontra disponível no site
http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1547, de onde pode ser facilmente impressa.
A ÁREA TEMÁTICA de FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E
O NUCLEO de ESTUDO e PESQUISA EM FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
convidam para a sessão dos
SEMINÁRIOS ABERTOS DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Temática geral do semestre: O pensamento filosófico-educacional na América Latina
Dia: 04 de dezembro de 2008
14:00-17:00 h. Faculdade de Educação / USP
Av. da Universidade, 308 - Cidade Universitária
Sala 103, Bloco B
Tema do dia:
Enrique Dussel: uma ética da libertação.
Expositor: Claudenir Módolo Alves.
Graduado em Filosofia pela Universidade São Francisco (1998) e em Teologia pela Faculdade de Teologia de Nossa Senhora Assunção (2002) e mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005), tendo elaborado a dissertação Ética da libertação: a vítima na perspectiva dusseliana. É autor de Arte, conhecimento e inclusão digital (Revista Eletrôncia Espiral, v. 19, 2004) e Comunicação, divulgação e Super Cyber (Revista Vox Scientiae, v. 21, 2004).. Atua no campo editorial, junto à Editora Paulus e é docente do Centro Universitário São Camilo.
Orientação de leitura prévia
O expositor recomenda a leitura de parte de sua dissertação [Ética da libertação: a vítima na perspectiva dusseliana], que vai da p. 36 à p. 83 . Ela se encontra disponível no site
http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1547, de onde pode ser facilmente impressa.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
E no dia sexto...
Ainda nas primeiras linhas do primeiro livro do primeiro (o velho) testamento bíblico, está descrito como surgiu a humanidade. Foi no dia sexto que Deus criou o homem e a mulher, tal qual sua própria imagem e à sua semelhança. Desta fonte resulta a "teoria" (?!) criacionista da humanidade.
Sobre este assunto, curiosamente, encontrei na Folha de S. Paulo deste domingo, no caderno Folha Ciência, o texto que reproduzo abaixo, de Marcelo Leite. Prefiro não comentar, deixarei para reflexão dos leitores. Que deus nos ajude!
Sobre este assunto, curiosamente, encontrei na Folha de S. Paulo deste domingo, no caderno Folha Ciência, o texto que reproduzo abaixo, de Marcelo Leite. Prefiro não comentar, deixarei para reflexão dos leitores. Que deus nos ajude!
Criacionismo no Mackenzie
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Colégio prega idéia de origem religiosa em aula de ciências
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O Instituto Presbiteriano Mackenzie abrange uma universidade e uma escola das mais tradicionais de São Paulo. Só na unidade paulistana do colégio há mais de 1.800 alunos. Seu campus no quarteirão ladeado pela avenida da Consolação e pela rua Maria Antônia é um ponto de referência na cidade.
Talvez poucos se dêem conta de que se trata de um estabelecimento confessional de ensino. Isso está bem explícito no nome da instituição, porém. Agora o Colégio Mackenzie é também, oficialmente, criacionista.
Criacionismo é a doutrina segundo a qual Deus criou o mundo com todas as espécies que existem hoje. Isso contradiz a explicação darwinista para a diversidade biológica, fruto da evolução por seleção natural. Inúmeras observações comprovam postulados centrais do darwinismo, como a ascendência comum (todas as espécies provêm de um ancestral único).
O fato de o DNA ser a molécula da hereditariedade em todas elas é a melhor prova desse princípio. Os primeiros seres vivos da Terra "inventaram" essa maneira de transmitir características de uma geração a outra, há cerca de 4 bilhões de anos, e ela se perpetuou desde então.
A direção do Mackenzie não nega os avanços da biologia trazidos pelo darwinismo, mas acredita que é preciso opor-lhe o contraditório. Em outras palavras: ensinar a seus alunos que há outra explicação, de fundo religioso, para a origem das espécies.
Quase 200 anos depois de Charles Darwin (1809-1882) e 150 após a publicação de sua grande obra, "Origem das Espécies", os educadores do Mackenzie aceitam só o que chamam de "microevolução" (organismos se adaptam a novas condições do meio).
Não, porém, a "macroevolução" (tal adaptação não seria suficiente para originar novas espécies, em verdade criadas por Deus).
A doutrina criacionista não é apresentada somente nas aulas de religião, mas igualmente nas de ciências. Em 2008 foi usada nos três primeiros anos do ensino fundamental 1, ainda em fase piloto, uma série de apostilas traduzidas e adaptadas de material da Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI, na abreviação em inglês), com sede no Colorado, nos Estados Unidos.
A coleção utilizada com crianças de 6 a 9 anos se chama Crescer em Sabedoria. Na capa do volume do terceiro ano estava estampado "Ciências - Projeto Inteligente".
É uma alusão ao argumento do "design inteligente": a natureza é tão complexa e os organismos tão perfeitos que só o desígnio de um arquiteto (Deus) pode ter sido responsável por sua criação. "Quando Deus formou a Terra, criou primeiro o ambiente. Criou elementos não vivos, como o ar, a água e o solo. Depois, Deus criou os seres vivos para morarem nesse ambiente", afirma-se na pág. 10. O item 2.1 do volume se chama "O plano de Deus para os ambientes".
Pode ser lido na pág. 17: "Deus projetou as cores e as formas de cada animal e o colocou em um ambiente que era perfeito para eles [sic]. Quando um animal usa suas cores ou formas para se esconder em seu ambiente, dizemos que ele está camuflado".
A direção do Mackenzie justifica a omissão da evolução por seleção natural, nessa apostila de ciências, dizendo que se trata de conteúdo previsto apenas para o ensino fundamental 2. Além disso, o material da fase piloto de 2008 foi revisto e a ênfase religiosa, atenuada, mas não excluída.
Darwin, todavia, continua de fora.
Só uma dúzia de pais reclamou.
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MARCELO LEITE é autor de "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e de "Brasil, Paisagens Naturais -Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br
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Colégio prega idéia de origem religiosa em aula de ciências
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O Instituto Presbiteriano Mackenzie abrange uma universidade e uma escola das mais tradicionais de São Paulo. Só na unidade paulistana do colégio há mais de 1.800 alunos. Seu campus no quarteirão ladeado pela avenida da Consolação e pela rua Maria Antônia é um ponto de referência na cidade.
Talvez poucos se dêem conta de que se trata de um estabelecimento confessional de ensino. Isso está bem explícito no nome da instituição, porém. Agora o Colégio Mackenzie é também, oficialmente, criacionista.
Criacionismo é a doutrina segundo a qual Deus criou o mundo com todas as espécies que existem hoje. Isso contradiz a explicação darwinista para a diversidade biológica, fruto da evolução por seleção natural. Inúmeras observações comprovam postulados centrais do darwinismo, como a ascendência comum (todas as espécies provêm de um ancestral único).
O fato de o DNA ser a molécula da hereditariedade em todas elas é a melhor prova desse princípio. Os primeiros seres vivos da Terra "inventaram" essa maneira de transmitir características de uma geração a outra, há cerca de 4 bilhões de anos, e ela se perpetuou desde então.
A direção do Mackenzie não nega os avanços da biologia trazidos pelo darwinismo, mas acredita que é preciso opor-lhe o contraditório. Em outras palavras: ensinar a seus alunos que há outra explicação, de fundo religioso, para a origem das espécies.
Quase 200 anos depois de Charles Darwin (1809-1882) e 150 após a publicação de sua grande obra, "Origem das Espécies", os educadores do Mackenzie aceitam só o que chamam de "microevolução" (organismos se adaptam a novas condições do meio).
Não, porém, a "macroevolução" (tal adaptação não seria suficiente para originar novas espécies, em verdade criadas por Deus).
A doutrina criacionista não é apresentada somente nas aulas de religião, mas igualmente nas de ciências. Em 2008 foi usada nos três primeiros anos do ensino fundamental 1, ainda em fase piloto, uma série de apostilas traduzidas e adaptadas de material da Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI, na abreviação em inglês), com sede no Colorado, nos Estados Unidos.
A coleção utilizada com crianças de 6 a 9 anos se chama Crescer em Sabedoria. Na capa do volume do terceiro ano estava estampado "Ciências - Projeto Inteligente".
É uma alusão ao argumento do "design inteligente": a natureza é tão complexa e os organismos tão perfeitos que só o desígnio de um arquiteto (Deus) pode ter sido responsável por sua criação. "Quando Deus formou a Terra, criou primeiro o ambiente. Criou elementos não vivos, como o ar, a água e o solo. Depois, Deus criou os seres vivos para morarem nesse ambiente", afirma-se na pág. 10. O item 2.1 do volume se chama "O plano de Deus para os ambientes".
Pode ser lido na pág. 17: "Deus projetou as cores e as formas de cada animal e o colocou em um ambiente que era perfeito para eles [sic]. Quando um animal usa suas cores ou formas para se esconder em seu ambiente, dizemos que ele está camuflado".
A direção do Mackenzie justifica a omissão da evolução por seleção natural, nessa apostila de ciências, dizendo que se trata de conteúdo previsto apenas para o ensino fundamental 2. Além disso, o material da fase piloto de 2008 foi revisto e a ênfase religiosa, atenuada, mas não excluída.
Darwin, todavia, continua de fora.
Só uma dúzia de pais reclamou.
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MARCELO LEITE é autor de "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e de "Brasil, Paisagens Naturais -Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br
sábado, 29 de novembro de 2008
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
O bom camarada
É comum ouvirmos falar das teorias revolucionárias de Karl Marx. Referimo-nos muitas vezes a importantes textos dele, tais como o Manifesto do Partido Comunista ou o ainda anterior A Ideologia Alemã. E, na maioria das vezes que o fazemos, cometemos uma injustiça: esquecemos o bom companheiro, o seu velho camarada, Friedrich Engels.
Hoje, dia em que se completam 188 de seu nascimento, registro aqui meu pedido de desculpas: neste Blog, quase sempre que se leu "Marx", dever-se-ia ter lido "Marx e Engels". E, por falar em ter lido Engels, segue o link para os arquivos marxistas, que disponibilizam em língua portuguesa vários textos do autor revolucionário. De minha parte, sou fã dos ultra-conhecidos A origem da família... e Sobre o papel do trabalho..., que sempre me ajudam nas aulas...
Parabéns, camarada!
Hoje, dia em que se completam 188 de seu nascimento, registro aqui meu pedido de desculpas: neste Blog, quase sempre que se leu "Marx", dever-se-ia ter lido "Marx e Engels". E, por falar em ter lido Engels, segue o link para os arquivos marxistas, que disponibilizam em língua portuguesa vários textos do autor revolucionário. De minha parte, sou fã dos ultra-conhecidos A origem da família... e Sobre o papel do trabalho..., que sempre me ajudam nas aulas...
Parabéns, camarada!
Pensadores Japoneses
Há alguns dias divulguei no Blog um evento sobre a filosofia japonesa, que mereceu um comentário da Keli Okama. Inspirado por eles - pelo evento e pelo comentário - reli um pequeno e importante livro que encontrei há alguns anos: O pensamento Japonês, de Hitoshi Oshima (Ed. Escuta, 1991). Relembrei o quanto temos a aprender com nossos colegas orientais...
Para instigar eventuais interessados, destaco alguns pensadores que conheci por meio de Oshima:
TOMINAGA, Nakamoto (1715-1746): racionalista crítico e relativista. Sua tese é :"tudo depende do tempo e do lugar". Autor de Okinano-fumi (1738)
OGYU, Sorai (1666-1728): confucionista, positivista, interpretou o confucionismo como lições políticas. Autor de Ben mei (1717)
NISHIDA, Kitaro (1879-1945): filósofo moderno irracionalista, tentou fazer uma síntese do pensamento tradicional e do moderno. Autor de Zenno-kenkiu (1911)
Para instigar eventuais interessados, destaco alguns pensadores que conheci por meio de Oshima:
TOMINAGA, Nakamoto (1715-1746): racionalista crítico e relativista. Sua tese é :"tudo depende do tempo e do lugar". Autor de Okinano-fumi (1738)
OGYU, Sorai (1666-1728): confucionista, positivista, interpretou o confucionismo como lições políticas. Autor de Ben mei (1717)
NISHIDA, Kitaro (1879-1945): filósofo moderno irracionalista, tentou fazer uma síntese do pensamento tradicional e do moderno. Autor de Zenno-kenkiu (1911)
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Correspondências
Muito da filosofia se fez por correspondências. Tantas são as vezes em que cartas trocadas entre filosófos são base de sustentação das mais diversas teorias interpretativas acerca da obra de um ou de ambos os correspondentes.
Tão comuns nos séculos passados, as cartas estão hoje quase que substituídas pelos e-mails, chats, messengers etc., que se por um lado facilitam a comunicação, por outro "banalizam-na", tornando as correspondências menos elaboradas e conseqüentemente menos célebres.
Há alguns anos atrás, troquei correspondências com uma amiga, da área das letras, numa brincadeira literário-filosófica. Na ocasião ela fazia pesquisas sobre a clonagem como forma de reprodução humana, em substituição aos métodos "mais usuais". Hoje, relendo nossa correspondência, não posso deixar de achar graça. Reproduzo abaixo uma carta, esperando que seja lida no mesmo tom seriamente anedótico em que foi escrita:
Prezada Senhora,
“Teremos ganho muito a favor da ciência estética se chegarmos não apenas à intelecção lógica mas à certeza imediata da introvisão de que o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco, da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexo, em que a luta é incessante e onde intervêm periódicas reconciliações” Estas palavras com as quais inicio a presente carta não são minhas, confesso. As tomo emprestada do célebre filósofo Friedrich Wilhelm Nietzsche, e o faço por dois motivos: o primeiro e mais evidente se considerada a natureza desta mensagem, diz respeito à reafirmação da necessidade da dualidade dos sexos para a procriação animal, humana e, nietzscheanamente falando, super-humana. O segundo motivo do pouco usual empréstimo que inicia esta carta é, acredito, o mais importante. A dualidade entre Apolo e Dioniso que marca o modo de ser da humanidade desde os gregos até nossos dias. Nem só de razão se faz a espécie humana, e nem só de paixão. Espero mesclar os dois deuses gregos, meio-irmãos, na breve argumentação que seguirá.
Findo o Século XX, grande parte dos filósofos do mundo clamam pelo fim da modernidade, apontando que estamos em vias de superação do paradigma newtoniano-cartesiano. É nesta modernidade que o já antiquado Darwin se insere. Nietzsche também. Baseado em Darwin, Nietzsche apontou claramente em seus textos a superação da espécie humana pela sua próxima etapa na escala da evolução: o homem, parente próximo do macaco, seria algo ultrapassado frente ao super-homem – a nova espécie. Também a partir do darwinismo, o filósofo alemão pode afirmar quais, dentre os homens, superariam seus próprios limites, passando à condição de super-homem. Quais? Os mais preparados, é claro; a lei de seleção natural separaria os senhores dos escravos, quase símios.
Mesmo sendo detentor da mais incisiva radicalidade, a qual lhe conferiu o título de “filósofo das marteladas”, Nietzsche jamais conseguiu ser totalmente dionisíaco – e talvez nem o quisesse, justamente por saber da impossibilidade de conseguir sucesso nesta empreitada. O mais radical dentre os filósofos não pretenderia ser apenas Apolo – não, isso seria “cartesiano” demais para um super-homem; Dioniso e Apolo agiriam dialeticamente no intelecto do homem, numa constante e conflituosa tensão que é a mais genuína expressão da característica de humanidade do ser humano.
Mas a dualidade dos deuses meio-irmãos não é mais presente em nossas vidas do que a dualidade dos seres em suas relações sexuais, mesmo nas mais animalescas – para utilizar um termo do filósofo Martin Heidegger, que tanto versou acerca da animalidade humana. Mesmo Nietzsche teve de perceber. “A mulher perfeita – diz ele – perpetra literatura do mesmo podo que perpetra um pequeno pecado: experimentando, de passagem, e volvendo a cabeça para ver se alguém se apercebeu disso, e a fim que alguém se aperceba disso...”. A procriação resulta do mais prazeroso dos pecados, mas não importam os pecados se Nietzsche matou deus quando escreveu sua Zaratustra. Até mesmo para que sobrevivessem como super-homem apenas os mais fortes, a singularidade de cada ser precisaria ser mantida – se fossem todos iguais, só haveria fracos!
Ora, senhora, esta longa introdução aborda um tema sem nomeá-lo devidamente. Mas ainda que a nomeação venha apenas agora, tardia, estimo que as colocações supra tenham conseguido transmitir minha posição sobre a polêmica em questão: a dualidade, que caracteriza a forma de reprodução animal desde o surgimento do mundo, é característica própria à humanidade e às sociedades. Não se vive sozinho, não se cresce sozinho, não se desenvolve sozinho... não se procria sozinho! Nietzsche pergunta e afirma: “Desejarias multiplicar-te por dez? Por cem? Procuras adeptos? – Procuras zeros!” Não se multiplica a si mesmo, sem se criar zeros, vazios. Não se fabricam homens ou super-homens em laboratórios. Não é humano!
Mas para que fique clara minha argumentação, ressalto, obviamente não me refiro à capacidade de auto-reprodução por meio de métodos aberrantes. Estou certo de que temos condições objetivas de criar toda uma humanidade de clones; assim como temos armamento nuclear com capacidade de destruir o planeta dezenas (?!?!) de vezes. Mas se se clona, ou se se desenvolve mais armas nucleares, é muito mais por um fetichismo egocêntrico da capacidade científica do que por uma necessidade humana: a humanidade viveu sem clones e sem bombas atômicas por milênios – e viveu melhor!
Se fui pouco usual em iniciar esta carta com uma citação, a encerro de igual maneira. Mas desta vez valho-me da filósofa Hannah Arendt, autora d’A condição humana (1958):
“Esse homem futuro, que segundo os cientistas será produzido em menos de um século, parece motivado por uma rebelião contra a existência humana tal como nos foi dada – um dom gratuito vindo do nada (secularmente falando), que ele deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo. Não há razão para duvidar de que sejamos capazes de realizar essa troca, tal como não há motivo para duvidar de nossa atual capacidade de destruir toda a vida orgânica da Terra. A questão é apenas se desejamos usar nessa direção nosso novo conhecimento científico e técnico – e esta questão não pode ser resolvida por meios científicos: é uma questão política de primeira grandeza, e portanto não deve ser decidida por cientistas profissionais nem por políticos profissionais”.
Na incapacidade de uma decisão sóbria da ciência e da política, chamo para a filosofia a responsabilidade de uma resposta. E respondo pela manutenção de Apolo e Dioniso na perpetuação da espécie.
Com estima e respeito,
Filósofo.
Tão comuns nos séculos passados, as cartas estão hoje quase que substituídas pelos e-mails, chats, messengers etc., que se por um lado facilitam a comunicação, por outro "banalizam-na", tornando as correspondências menos elaboradas e conseqüentemente menos célebres.
Há alguns anos atrás, troquei correspondências com uma amiga, da área das letras, numa brincadeira literário-filosófica. Na ocasião ela fazia pesquisas sobre a clonagem como forma de reprodução humana, em substituição aos métodos "mais usuais". Hoje, relendo nossa correspondência, não posso deixar de achar graça. Reproduzo abaixo uma carta, esperando que seja lida no mesmo tom seriamente anedótico em que foi escrita:
Prezada Senhora,
“Teremos ganho muito a favor da ciência estética se chegarmos não apenas à intelecção lógica mas à certeza imediata da introvisão de que o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco, da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexo, em que a luta é incessante e onde intervêm periódicas reconciliações” Estas palavras com as quais inicio a presente carta não são minhas, confesso. As tomo emprestada do célebre filósofo Friedrich Wilhelm Nietzsche, e o faço por dois motivos: o primeiro e mais evidente se considerada a natureza desta mensagem, diz respeito à reafirmação da necessidade da dualidade dos sexos para a procriação animal, humana e, nietzscheanamente falando, super-humana. O segundo motivo do pouco usual empréstimo que inicia esta carta é, acredito, o mais importante. A dualidade entre Apolo e Dioniso que marca o modo de ser da humanidade desde os gregos até nossos dias. Nem só de razão se faz a espécie humana, e nem só de paixão. Espero mesclar os dois deuses gregos, meio-irmãos, na breve argumentação que seguirá.
Findo o Século XX, grande parte dos filósofos do mundo clamam pelo fim da modernidade, apontando que estamos em vias de superação do paradigma newtoniano-cartesiano. É nesta modernidade que o já antiquado Darwin se insere. Nietzsche também. Baseado em Darwin, Nietzsche apontou claramente em seus textos a superação da espécie humana pela sua próxima etapa na escala da evolução: o homem, parente próximo do macaco, seria algo ultrapassado frente ao super-homem – a nova espécie. Também a partir do darwinismo, o filósofo alemão pode afirmar quais, dentre os homens, superariam seus próprios limites, passando à condição de super-homem. Quais? Os mais preparados, é claro; a lei de seleção natural separaria os senhores dos escravos, quase símios.
Mesmo sendo detentor da mais incisiva radicalidade, a qual lhe conferiu o título de “filósofo das marteladas”, Nietzsche jamais conseguiu ser totalmente dionisíaco – e talvez nem o quisesse, justamente por saber da impossibilidade de conseguir sucesso nesta empreitada. O mais radical dentre os filósofos não pretenderia ser apenas Apolo – não, isso seria “cartesiano” demais para um super-homem; Dioniso e Apolo agiriam dialeticamente no intelecto do homem, numa constante e conflituosa tensão que é a mais genuína expressão da característica de humanidade do ser humano.
Mas a dualidade dos deuses meio-irmãos não é mais presente em nossas vidas do que a dualidade dos seres em suas relações sexuais, mesmo nas mais animalescas – para utilizar um termo do filósofo Martin Heidegger, que tanto versou acerca da animalidade humana. Mesmo Nietzsche teve de perceber. “A mulher perfeita – diz ele – perpetra literatura do mesmo podo que perpetra um pequeno pecado: experimentando, de passagem, e volvendo a cabeça para ver se alguém se apercebeu disso, e a fim que alguém se aperceba disso...”. A procriação resulta do mais prazeroso dos pecados, mas não importam os pecados se Nietzsche matou deus quando escreveu sua Zaratustra. Até mesmo para que sobrevivessem como super-homem apenas os mais fortes, a singularidade de cada ser precisaria ser mantida – se fossem todos iguais, só haveria fracos!
Ora, senhora, esta longa introdução aborda um tema sem nomeá-lo devidamente. Mas ainda que a nomeação venha apenas agora, tardia, estimo que as colocações supra tenham conseguido transmitir minha posição sobre a polêmica em questão: a dualidade, que caracteriza a forma de reprodução animal desde o surgimento do mundo, é característica própria à humanidade e às sociedades. Não se vive sozinho, não se cresce sozinho, não se desenvolve sozinho... não se procria sozinho! Nietzsche pergunta e afirma: “Desejarias multiplicar-te por dez? Por cem? Procuras adeptos? – Procuras zeros!” Não se multiplica a si mesmo, sem se criar zeros, vazios. Não se fabricam homens ou super-homens em laboratórios. Não é humano!
Mas para que fique clara minha argumentação, ressalto, obviamente não me refiro à capacidade de auto-reprodução por meio de métodos aberrantes. Estou certo de que temos condições objetivas de criar toda uma humanidade de clones; assim como temos armamento nuclear com capacidade de destruir o planeta dezenas (?!?!) de vezes. Mas se se clona, ou se se desenvolve mais armas nucleares, é muito mais por um fetichismo egocêntrico da capacidade científica do que por uma necessidade humana: a humanidade viveu sem clones e sem bombas atômicas por milênios – e viveu melhor!
Se fui pouco usual em iniciar esta carta com uma citação, a encerro de igual maneira. Mas desta vez valho-me da filósofa Hannah Arendt, autora d’A condição humana (1958):
“Esse homem futuro, que segundo os cientistas será produzido em menos de um século, parece motivado por uma rebelião contra a existência humana tal como nos foi dada – um dom gratuito vindo do nada (secularmente falando), que ele deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo. Não há razão para duvidar de que sejamos capazes de realizar essa troca, tal como não há motivo para duvidar de nossa atual capacidade de destruir toda a vida orgânica da Terra. A questão é apenas se desejamos usar nessa direção nosso novo conhecimento científico e técnico – e esta questão não pode ser resolvida por meios científicos: é uma questão política de primeira grandeza, e portanto não deve ser decidida por cientistas profissionais nem por políticos profissionais”.
Na incapacidade de uma decisão sóbria da ciência e da política, chamo para a filosofia a responsabilidade de uma resposta. E respondo pela manutenção de Apolo e Dioniso na perpetuação da espécie.
Com estima e respeito,
Filósofo.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
Giachimo Cerutti
Atualmente começo a preparar dois cursos de história da filosofia que, provavelmente, ministrarei no próximo ano. É um período sempre bom, de leituras, descobertas e redescobertas. Uma das descobertas foi a obra de Giuseppe Antonio Giachimo Cerutti (1738-1792). Nascido em Turim e radicado na França, foi jesuíta, escritor, político e jornalista. Foi deputado na Assembléia legislativa francesa em 1791, mesmo ano em que publica seu Breviário filosófico ou História do judaísmo, do cristianismo e do deísmo em 33 versos. O breviário é dividido em duas partes: um pequeno poema, em 33 versos, atribuído ao Frederico II, rei da Prússia e protetor de Voltaire; seguem-se 33 notas de Cerutti, que compõem a parte mais extensa da obra.
Há quem afirme serem, os 33 versos originários, também de autoria de Cerutti... provavelmente nunca saberemos. Transcrevo-os abaixo. Antes, a título de curiosidade: o Breviário foi editado sem o nome do autor, muito provavelmente em função de seu caráter polêmico, crítico a passagens bíblicas, que ainda levava pessoas à fogueira, em certos cantos do mundo, naqueles dias.
Leiamos Voltaire!
Tradução de Regina Schopke e Mauro Baladi, publicado pela Martin Fontes no livro Filosofia clandestina (2008).
Há quem afirme serem, os 33 versos originários, também de autoria de Cerutti... provavelmente nunca saberemos. Transcrevo-os abaixo. Antes, a título de curiosidade: o Breviário foi editado sem o nome do autor, muito provavelmente em função de seu caráter polêmico, crítico a passagens bíblicas, que ainda levava pessoas à fogueira, em certos cantos do mundo, naqueles dias.
Breviário...
- Em um jardim temporão, Adão, ao lado de Eva,
- Preparava, dos humanos, o berço paternal.
- A serpente ali introduziu-se furtivamente: seu bafo criminoso
- Da árvore da vida, a seiva envenenou.
- Tudo foi perdido. Maculado por um vício original,
- O embrião foi condenado no ventre materno.
- Contra o Todo-Poderoso, o mundo rebelou-se:
- O inferno por uma maçã! Adonai cruel
- Nero, Tibério ou Cromwell teriam feito pior?
- Jeová arrependeu-se. Ele concedeu uma trégua.
- Moisés, desse contrato, é a solene testemunha.
- Acompanhado da arca, e precedido da espada,
- Para a Terra Prometida ele guiou Israel:
- Moribundo, ele anunciou o Cristo, o Emanuel,
- O Messias. À menção desse nome, o universo se anima,
- E da nuvem aberta espera o imortal...
- Ao nascer de um dia puro, no momento de um belo sonho,
- À tocante voz do eterno Gabriel,
- nos flancos de uma virgem, um deus caiu do céu:
- Ele nasce, prega, morre. O papado eleva-se.
- A tiara, a batina, a estola e o missal
- Iriam fazer do mundo um claustro universal...
- Lutero salvou o Norte, Calvino salvou Genebra,
- Mas ele queimou Servet e baniu Farrel
- Henrique, com o machado nas mãos, despedaçou o antigo altar.
- Com ele, uma única dúvida conduzia à Place de Grève:
- Ele inventou o infame ritual do Test
- De uma escola mais justa, aluno independente,
- Penn foi o primeiro a construir um templo fraterno,
- Onde a fé vive sem padres e disputa sem fel.
- Voltaire surgiu, enfim, e a obra foi concluída:
- Ele ensinou à terra um culto natural
- E libertou o Eterno de sua máscara pavorosa.
Leiamos Voltaire!
Tradução de Regina Schopke e Mauro Baladi, publicado pela Martin Fontes no livro Filosofia clandestina (2008).
domingo, 23 de novembro de 2008
Franceses de boa safra
Uma brincadeira que encontrei em algum canto da internet (confesso: não me lembro onde...). São dois franceses, de safras distintas, mas excelentes!
Descartes:
Sartre:
Concordo que um bom vinho depende, no geral, de uma boa companhia (sempre prefiro tomar o meu quando estou bem acompanhado), de modo que a canção do vídeo abaixo fica fora de contexto. Mas não posso deixar de lembrar dessa música quando estou Bebendo vinho...
Descartes:
Sartre:
Concordo que um bom vinho depende, no geral, de uma boa companhia (sempre prefiro tomar o meu quando estou bem acompanhado), de modo que a canção do vídeo abaixo fica fora de contexto. Mas não posso deixar de lembrar dessa música quando estou Bebendo vinho...
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Curtas e máximas
Uma vez mais trago (três) breves máximas do Barão de Itararé:
"Há seguramente um prazer em ser louco que só os loucos conhecem"
"Fazer loucuras, em vez de dizê-las, é o que geralmente distingue o louco do homem de espírito"
Alguém pode perguntar quem é suficientemente são para julgar a loucura dos outros; sobre isso, reflete o meu caro Barão:
"O juri, no Brasil, consta de um número limitado de pessoas escolhidas, para decidirem quem tem o melhor advogado."
"Há seguramente um prazer em ser louco que só os loucos conhecem"
"Fazer loucuras, em vez de dizê-las, é o que geralmente distingue o louco do homem de espírito"
Alguém pode perguntar quem é suficientemente são para julgar a loucura dos outros; sobre isso, reflete o meu caro Barão:
"O juri, no Brasil, consta de um número limitado de pessoas escolhidas, para decidirem quem tem o melhor advogado."
Convite: Ética e Ficção
Segue o convite para o último Colóquio Kairós do ano, promovido pelo Curso de Filosofia da UMESP:
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
O sonho do rei
Algumas frases por vezes são registradas na história como a expressão sintética de todo um tempo e de todo um movimento. Por exemplo: depois de passados tantos séculos, conhecida e consagrada a tradição dialética socrática, quanto não pudemos construir a partir de "banalidades" como "só sei que nada sei". Ou quantas vezes teria sido repetida, nos diversos idiomas, a cartesiana "penso, logo existo", como expressão de todo um conjunto de autores aos quais convencionou-se chamar de racionalistas, e mesmo como expressão daquilo tudo que forçosamente colocamos sob o título de modernidade?
Dentre tantas expressões que extrapolam seu significado ganhando sentidos muito mais amplos e fortes (cá entre nós: se, à margem de Sócrates, ouvíssemos na rua alguém dizer "só sei que nada sei", provavelmente responderíamos: então deves buscar por saber mais, meu caro, pois o saber está aí pelo mundo...), tenho como certo que a expressão do movimento anti-racista mundial foi posta em agosto de 1963 pelo pastor Martin Luther King, quando por várias vezes em seu discurso repetiu "Eu tenho um sonho". Eram muitos sonhos que, ao mesmo tempo, eram apenas um - liberdade.
Há uma tradução integral do discurso de Luther King aqui. E logo abaixo um trecho deste mesmo discurso em vídeo.
(Se alguém não entender porque tantas referências ao Mississipi, lembro do filme Mississipi em Chamas...)
terça-feira, 18 de novembro de 2008
Filosofia Japonesa
É comum ouvirmos na Universidade questionamentos sobre a ausência de estudos filosóficos acerca do pensamento oriental. É fato que trata-se de um pensamento muitas vezes bastante rigoroso e bem fundado (não raro, muito melhor que muitas das idéias ocidentais...) mas o fato de se construir sobre modelos paradigmáticos diversos dos nossos dificulta nossa percepção e nosso poder de julgamento sobre sua seriedade. Trocando em miúdos: como não entendemos as bases sobre as quais os pensamentos orientais são construídos, muitas vezes acabamos, por pura ignorância, descartando-os.
Nos próximos dias teremos oportunidade de um "diálogo interparadigmático", num evento acadêmico acerca do pensamento japonês. Segue abaixo a divulgação:
Nos próximos dias teremos oportunidade de um "diálogo interparadigmático", num evento acadêmico acerca do pensamento japonês. Segue abaixo a divulgação:
III COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE O PENSAMENTO JAPONÊS
O perigo da técnica – perspectivas ocidentais e orientais
Data: 28 e 29 de novembro de 2008
Local: auditório da Fundação Japão
Av. Paulista, 37, 1º andar
Coordenador: Prof. Dr. Zeljko Loparic
Coordenador Adjunto: Prof. Dr. Antonio Floretino
O perigo da técnica – perspectivas ocidentais e orientais
Data: 28 e 29 de novembro de 2008
Local: auditório da Fundação Japão
Av. Paulista, 37, 1º andar
Coordenador: Prof. Dr. Zeljko Loparic
Coordenador Adjunto: Prof. Dr. Antonio Floretino
Programação
Sexta-feira, 28 de novembro de 2008:
9:00 – Palestra: “O problema global do meio ambiente e a filosofia japonesa”
Prof. Dr. Katsuhito Inoue (Japão)
10:30 – Palestra: “A morte de Deus e a morte do Buda – O niilismo do Zaratustra de Nietzsche e o ateísmo zen-budista de Hisamatsu”
Prof. Dr. Antonio Florentino Neto (Universidade Federal de Uberlândia) 12:00 Almoço 14:00 – Palestra: “Nietzsche e o Zen-Budismo”
Prof. Dr. Oswaldo Giacoia Junior (Unicamp) 15:30 – Palestra: "Ser e sunyata: os caminhos ocidental e oriental para a ultrapassagem do caráter objetificante do pensamento"
Prof. Dr. José Carlos Michelazzo (Sociedade Brasileira de Fenomenologia)
Sábado, 29 de novembro de 2008
9:00 – Palestra: “Técnica e guerra em Heidegger e na Escola de Kyoto”
Prof. Dr. Takao Todoroki (Japão)
10:30 – Palestra: “A experiência do ´lugar da nadidade´ como fundamento da consciência religiosa (Nishida) e a resolução da ´nadidade´ do finito na infinitude verdadeira (Hegel)”
Prof. Dr. Marcos Lutz Müller (Unicamp)
12:00 Almoço
14:00 – Palestra: “Vacuidade e medium – Formas de uso da linguagem em Nishida e Nishitani”
Prof. Dr. Rolf Elberfeld (Hildesheim / Alemanha) 15:30 – Palestra: Integração vs. ultrapassamento da técnica Prof. Dr. Zeljko Loparic (Unicamp / PUC-SP)
Sexta-feira, 28 de novembro de 2008:
9:00 – Palestra: “O problema global do meio ambiente e a filosofia japonesa”
Prof. Dr. Katsuhito Inoue (Japão)
10:30 – Palestra: “A morte de Deus e a morte do Buda – O niilismo do Zaratustra de Nietzsche e o ateísmo zen-budista de Hisamatsu”
Prof. Dr. Antonio Florentino Neto (Universidade Federal de Uberlândia) 12:00 Almoço 14:00 – Palestra: “Nietzsche e o Zen-Budismo”
Prof. Dr. Oswaldo Giacoia Junior (Unicamp) 15:30 – Palestra: "Ser e sunyata: os caminhos ocidental e oriental para a ultrapassagem do caráter objetificante do pensamento"
Prof. Dr. José Carlos Michelazzo (Sociedade Brasileira de Fenomenologia)
Sábado, 29 de novembro de 2008
9:00 – Palestra: “Técnica e guerra em Heidegger e na Escola de Kyoto”
Prof. Dr. Takao Todoroki (Japão)
10:30 – Palestra: “A experiência do ´lugar da nadidade´ como fundamento da consciência religiosa (Nishida) e a resolução da ´nadidade´ do finito na infinitude verdadeira (Hegel)”
Prof. Dr. Marcos Lutz Müller (Unicamp)
12:00 Almoço
14:00 – Palestra: “Vacuidade e medium – Formas de uso da linguagem em Nishida e Nishitani”
Prof. Dr. Rolf Elberfeld (Hildesheim / Alemanha) 15:30 – Palestra: Integração vs. ultrapassamento da técnica Prof. Dr. Zeljko Loparic (Unicamp / PUC-SP)
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Tolices admiráveis
Estas breves reflexões são extraídas do Almanaque para 1949, do Barão de Itararé, e levam o título de"Tolices Admiráveis. Certamente influenciado por estudar filosofia, não deixo de ver nas reflexões a figura do filósofo, que admira-se de tudo, passando por tolo:
(foi mantida a grafia original)
A vida tem surpresas alucinantes. Surpresas e lições de estarrecer.
Ha certos fatos, porem, que não nos causam nenhuma admiração, não porque não sejam em si admiraveis, mas porque nos deixam simplesmente tão bestificados que nos tiram até a capacidade de raciocinar.
É verdade que a faculdade de abrir mais ou menos a boca, movida pelo espanto, varia de individuo para individuo. uns esbugalham os olhos, diante do fenomeno mais natural, ao passo que outros acham mais do que natural o fenomeno mais esbugalhante.
Os que se julgam espertos, acham que a admiração é um alarmante sintoma de ignorancia e por isso, afirmam que só o tolos se admiram. Os que se maravilham de qualquer coisa, por sua vez, se surpreendem tambem da impassibilidade dos sabidos, aos quais consideram como lamentaveis cegos e inconscientes.
O ladino se admira do tolo e não pode compreender como este se possa admirar de uma bobagem. O tolo, por seu turno, se admira de que o ladino não se admire de coisa alguma, quando ele acha tudo admiravel.
O tolo se admira de tudo porque vê em tudo uma verdade para admirar. O tolo, então, raciocina e tira uma conclusão. e, portanto, não é tolo.
O inteligente vê o fenomeno e não se admira, porque não vê nada de admiravel no que vê. Mas o homem que não chega a ver o que até os tolos vêem, não pode ser um homem inteligente.
De tudo isso só se pode concluir que o tolo, afinal, é um inteligente e que o inteligente é um tolo.
É ou não é admiravel?
Ha certos fatos, porem, que não nos causam nenhuma admiração, não porque não sejam em si admiraveis, mas porque nos deixam simplesmente tão bestificados que nos tiram até a capacidade de raciocinar.
É verdade que a faculdade de abrir mais ou menos a boca, movida pelo espanto, varia de individuo para individuo. uns esbugalham os olhos, diante do fenomeno mais natural, ao passo que outros acham mais do que natural o fenomeno mais esbugalhante.
Os que se julgam espertos, acham que a admiração é um alarmante sintoma de ignorancia e por isso, afirmam que só o tolos se admiram. Os que se maravilham de qualquer coisa, por sua vez, se surpreendem tambem da impassibilidade dos sabidos, aos quais consideram como lamentaveis cegos e inconscientes.
O ladino se admira do tolo e não pode compreender como este se possa admirar de uma bobagem. O tolo, por seu turno, se admira de que o ladino não se admire de coisa alguma, quando ele acha tudo admiravel.
O tolo se admira de tudo porque vê em tudo uma verdade para admirar. O tolo, então, raciocina e tira uma conclusão. e, portanto, não é tolo.
O inteligente vê o fenomeno e não se admira, porque não vê nada de admiravel no que vê. Mas o homem que não chega a ver o que até os tolos vêem, não pode ser um homem inteligente.
De tudo isso só se pode concluir que o tolo, afinal, é um inteligente e que o inteligente é um tolo.
É ou não é admiravel?
(foi mantida a grafia original)
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Filosofia, ensino, educação
Quero recomendar dois excelentes textos postados pelo meu amigo, prof. Dildo Brasil, no Blog do NEFiC;
O primeiro trata sobre "A importância da filosofia na formação do educador".
O outro, sobre o "Método e material da Filosofia com Crianças".
(clique sobre os títulos das postagens para acessá-las)
O primeiro trata sobre "A importância da filosofia na formação do educador".
O outro, sobre o "Método e material da Filosofia com Crianças".
(clique sobre os títulos das postagens para acessá-las)
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Ética, de Spinoza
A Autêntica Editora, de Belo Horizonte, publicou no ano passado uma belíssima edição da Ética, de Benedictus de Spinoza. A edição bilíngüe - Latim-Português, traduzida por Tomaz Tadeu - ajuda a reavivar a leitura de um autor não raramente esquecido (apesar dos esforços da profa. Marilena Chauí, e mesmo da evidente inspiração causada no quase pop André Comte-Sponville, não tenho visto muito sobre Spinoza por aí...).
Para provocar a curiosidade de eventuais desavisados, segue a tábua de assuntos tal como descrita pelo filósofo holandês no início de sua obra:
ÉTICA
Demonstrada segundo a ordem geométrica,
e dividida em cinco partes
nas quais são tratados
I. Deus
II. A natureza e a origem da mente
III. A origem e a natureza dos afetos
IV. A servidão humana ou a força dos afetos
V. A potência do intelecto ou a liberdade humana
terça-feira, 4 de novembro de 2008
Sobre o prazer
Semana passada coordenei uma mesa de dabetes na UMESP, que teve por tema Filosofia além da tradição e contou com a participação dos professores Wesley Dourado, Suze Piza e Marcos Euzebio. Em função desta mesa, eu retomei há umas duas semanas minhas leituras dos filósofos chamados hedonistas - ainda que, em verdade, muitos não o sejam: para ganhar esse título, filosoficamente despresível aos olhos da tradição, parece bastar colocar-se como não-totalmente-metafísico...
Não sei se por acaso, justamente na semana passada uma colega comentou que este Blog só tem tratado de questões políticas...
Juntando os fatos, resolvi colocar-me sobre o prazer (ou em cima dele?), usando para isso uma breve poesia de Drummond, que sempre me desperta certa animalidade:
Não sei se por acaso, justamente na semana passada uma colega comentou que este Blog só tem tratado de questões políticas...
Juntando os fatos, resolvi colocar-me sobre o prazer (ou em cima dele?), usando para isso uma breve poesia de Drummond, que sempre me desperta certa animalidade:
A língua lambe as pétalas vermelhas da rosa pluriaberta;
a língua lavra certo oculto botão,
e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
a língua lavra certo oculto botão,
e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
sábado, 1 de novembro de 2008
Sobre a "crise"
A crise econômica é o tema da vez. É verdade que, até o momento, mais por interesses dos grandes investidores, representados pela mídia, do que por sua influência na vida do cidadão médio (no meu cotidiano, até agora, a única influência percebida foi justamente a pauta do noticiário...). Mas não deixa de ser interessante observar - como muitos têm apontado - que: (1) o velho pensamento econômico marxista, com sua lucidez, é uma das maiores fontes que tem ajudado os economistas - de esquerda e de direita - a interpretar os fatos recentes; (2) as soluções que vem sendo tentadas invariavelmente implicam em interferência do Estado na economia, princípio defendido pelo socialismo (marxista) e invariavelmente execrado pelo liberalismo e neo-liberalismo. Ou seja, quando a crise aperta, quando não é mais possível "brincar" com abstrações econômicas, tomando-as como verdade, voltamos a Marx.
As duas charges abaixo brincam com essa questão. Ajudam a pensar...
As duas charges abaixo brincam com essa questão. Ajudam a pensar...
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
Fim de papo
Pra encerrar o assunto (ou não?!), vai a charge do Caco Galhardo, publicada hoje na Folha de S. Paulo:
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Razões Oprimidas
Um dos diversos temas filosóficos que me inquietam há algum tempo é a questão da racionalidade. Por um lado, instiga-me pensar que não somos exatamente animais racionais - bem , é verdade que entendo com facilidade a concepção de que o ser humano não é um animal racional, mas um animal que tem a racionalidade ao lado de outras faculdades; por outro, instiga-me pensar que, se nos entendermos como animais racionais, estaremos necessariamente presos ao projeto da modernidade, que já tem no modelo antropológico eurocêntrico, quiçá iluminista, seu ideal.
Para nenhuma dessas duas reflexões, acima, tenho respostas. Se por um lado concebo o ser humano como muito-mais-que-racionalidade, por outro entendo-o (entendo-me, portanto) como racional-e-algo-mais... Se, por outro, concebo a racionalidade como parte do projeto da modernidade (para saber mais sobre isso, veja a introdução de Enrique Dussel ao livro Ética da Libertação, ao não ver-me como a-racional não vejo-me como a-moderno e, portanto, não vejo-me como a-europeu. Contrariado, talvez, sou obrigado a concordar com meu amigo prof. Marcos Sidnei ao afirmar que o projeto da modernidade nunca falhou...
Angustiado, pensando nestas questões, percebo nos estudos recentes do prof. José Eustáquio Romão, uma alternativa. Romão tem defendido que o problema não é o fato da filosofia, eurocêntrica, ser racional; mas sim o fato da racionalidade aceita pela filosofia como base e instrumento filosófico estar no singular. Segundo ele não há uma racionalidade, mas racionalidades. E, ainda segundo ele, o mundo globalizado abre espaço e exige que se manifeste uma racionalidade oprimida, não-eurocêntrica.
O prof. Romão falará sobre essa questão no próximo dia 30/10, na FEUSP, em evento aberto ao público, como segue:
Para nenhuma dessas duas reflexões, acima, tenho respostas. Se por um lado concebo o ser humano como muito-mais-que-racionalidade, por outro entendo-o (entendo-me, portanto) como racional-e-algo-mais... Se, por outro, concebo a racionalidade como parte do projeto da modernidade (para saber mais sobre isso, veja a introdução de Enrique Dussel ao livro Ética da Libertação, ao não ver-me como a-racional não vejo-me como a-moderno e, portanto, não vejo-me como a-europeu. Contrariado, talvez, sou obrigado a concordar com meu amigo prof. Marcos Sidnei ao afirmar que o projeto da modernidade nunca falhou...
Angustiado, pensando nestas questões, percebo nos estudos recentes do prof. José Eustáquio Romão, uma alternativa. Romão tem defendido que o problema não é o fato da filosofia, eurocêntrica, ser racional; mas sim o fato da racionalidade aceita pela filosofia como base e instrumento filosófico estar no singular. Segundo ele não há uma racionalidade, mas racionalidades. E, ainda segundo ele, o mundo globalizado abre espaço e exige que se manifeste uma racionalidade oprimida, não-eurocêntrica.
O prof. Romão falará sobre essa questão no próximo dia 30/10, na FEUSP, em evento aberto ao público, como segue:
A ÁREA TEMÁTICA de FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E
O NUCLEO de ESTUDO e PESQUISA EM FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
NEPEFE
convidam para a sessão dos
SEMINÁRIOS ABERTOS
DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Dia: 30 de outubro de 2008
14:00-17:00 h. Faculdade de Educação / USP
Av. da Universidade, 308 - Cidade Universitária
Sala 103, Bloco B
Tema:
As razões oprimidas no mundo em globalização.
Expositor:
José Eustáquio Romão
Graduado em História, pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1970) e Doutorado em Educação (1996), pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor do curso de Mestrado em Educação, na Universidade Nove de Julho (Uninove), em São Paulo (Brasil), onde coordena o Grupo de Pesquisa Culturas e Educação. É professor visitante da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT), de Lisboa (Portugal). Atuou como coordenador e professor dos programas de mestrado (Educação, Letras e Psicologia) do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF). É um dos fundadores do Instituto Paulo Freire e coordenador da Cátedra do Oprimido, vinculada à Universitas Paulo Freire (Unifreire).
É autor de vários livros, dentre os quais se destacam: Poder local e educação (1992), Avaliação dialógica (1998); Dialética da diferença (2000); Pedagogia dialógica (2002), além de mais de três dezenas de artigos, publicados em periódicos científicos nacionais e estrangeiros.
Tem vasta experiência na área de administração escolar: foi Secretário da Educação de Juiz de Fora (1983-1988) e de Governo (1997-2000) desta mesma cidade. Foi Pró-Reitor de Ensino e Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora; Coordenador Local das Licenciaturas em Tefé, Amazonas. Desenvolve estudos sobre o pensamento de Paulo Freire, estendendo-o para uma Teoria da Civilização do Oprimido, isto é, demonstrando que os oprimidos e as oprimidas é que fazem o avanço das ciências, das tecnologias e das artes.
O NUCLEO de ESTUDO e PESQUISA EM FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
NEPEFE
convidam para a sessão dos
SEMINÁRIOS ABERTOS
DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Dia: 30 de outubro de 2008
14:00-17:00 h. Faculdade de Educação / USP
Av. da Universidade, 308 - Cidade Universitária
Sala 103, Bloco B
Tema:
As razões oprimidas no mundo em globalização.
Expositor:
José Eustáquio Romão
Graduado em História, pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1970) e Doutorado em Educação (1996), pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor do curso de Mestrado em Educação, na Universidade Nove de Julho (Uninove), em São Paulo (Brasil), onde coordena o Grupo de Pesquisa Culturas e Educação. É professor visitante da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT), de Lisboa (Portugal). Atuou como coordenador e professor dos programas de mestrado (Educação, Letras e Psicologia) do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF). É um dos fundadores do Instituto Paulo Freire e coordenador da Cátedra do Oprimido, vinculada à Universitas Paulo Freire (Unifreire).
É autor de vários livros, dentre os quais se destacam: Poder local e educação (1992), Avaliação dialógica (1998); Dialética da diferença (2000); Pedagogia dialógica (2002), além de mais de três dezenas de artigos, publicados em periódicos científicos nacionais e estrangeiros.
Tem vasta experiência na área de administração escolar: foi Secretário da Educação de Juiz de Fora (1983-1988) e de Governo (1997-2000) desta mesma cidade. Foi Pró-Reitor de Ensino e Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora; Coordenador Local das Licenciaturas em Tefé, Amazonas. Desenvolve estudos sobre o pensamento de Paulo Freire, estendendo-o para uma Teoria da Civilização do Oprimido, isto é, demonstrando que os oprimidos e as oprimidas é que fazem o avanço das ciências, das tecnologias e das artes.
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Convite: Sarau Filosófico
Repasso e reforço o convite abaixo, feito pelos alunos do Curso de Filosofia da Metodista.
Neste mesmo dia e local ocorrerá também o III Encontro de Professores de Filosofia do ABC (ver postagem abaixo)
Estarei lá!
Sarau de Filosofia na Metodista
Filosofia? O que é isso? Para alguns, a Filosofia é considerada a base de todas as ciências. Afinal, toda boa idéia nasce porque algum filósofo do passado – ou mesmo do presente – refletiu sobre os seus primeiros conceitos. No próximo sábado, 25 de outubro, das 8 às 17 horas, a Faculdade de Filosofia, da Universidade Metodista de São Paulo, abre suas portas para todos que desejarem conhecer um pouco desta fascinante ciência.
Teremos palestras com renomados professores de outras Universidades e, para completar, os alunos do curso montaram instalações nas salas de aula, no Edifício Beta, onde todos terão contato com a interessante disputa entre o filósofo Nietzsche e o compositor Wagner; conhecerão a linha do tempo da Filosofia; descobrirão alguns filósofos pouco explorados fora do mundo acadêmico da área, como o austríaco Karl Kraus, escritor, jornalista e autor da frase: “O fraco fica em dúvida antes de tomar uma decisão; o forte, depois”; ou Ludwig Wittgenstein e sua maneira tão particular de tratar a linguagem; e, claro, não poderiam faltar a esse encontro filósofos conhecidos de todos, como Sócrates, Platão, Aristóteles e Karl Marx.
E não se espantem se alguns desses personagens “aparecerem” no Sarau, pois os alguns alunos estarão trajados!
Todos os mestres também estarão presentes para responder às questões sobre o curso e as suas especialidades.
Não percam essa oportunidade para descobrir o fascínio da Filosofia.
Onde: Universidade Metodista de São Paulo
Endereço: Rua Alfeu Tavares, 149 – Rudge Ramos – São Bernardo do Campo – SP (Travessa da Rua Sacramento)
Quando: 25 de Outubro
Horário: das 8 às 17 horas
Prédio da Filosofia: Beta
Neste mesmo dia e local ocorrerá também o III Encontro de Professores de Filosofia do ABC (ver postagem abaixo)
Estarei lá!
Sarau de Filosofia na Metodista
Filosofia? O que é isso? Para alguns, a Filosofia é considerada a base de todas as ciências. Afinal, toda boa idéia nasce porque algum filósofo do passado – ou mesmo do presente – refletiu sobre os seus primeiros conceitos. No próximo sábado, 25 de outubro, das 8 às 17 horas, a Faculdade de Filosofia, da Universidade Metodista de São Paulo, abre suas portas para todos que desejarem conhecer um pouco desta fascinante ciência.
Teremos palestras com renomados professores de outras Universidades e, para completar, os alunos do curso montaram instalações nas salas de aula, no Edifício Beta, onde todos terão contato com a interessante disputa entre o filósofo Nietzsche e o compositor Wagner; conhecerão a linha do tempo da Filosofia; descobrirão alguns filósofos pouco explorados fora do mundo acadêmico da área, como o austríaco Karl Kraus, escritor, jornalista e autor da frase: “O fraco fica em dúvida antes de tomar uma decisão; o forte, depois”; ou Ludwig Wittgenstein e sua maneira tão particular de tratar a linguagem; e, claro, não poderiam faltar a esse encontro filósofos conhecidos de todos, como Sócrates, Platão, Aristóteles e Karl Marx.
E não se espantem se alguns desses personagens “aparecerem” no Sarau, pois os alguns alunos estarão trajados!
Todos os mestres também estarão presentes para responder às questões sobre o curso e as suas especialidades.
Não percam essa oportunidade para descobrir o fascínio da Filosofia.
Onde: Universidade Metodista de São Paulo
Endereço: Rua Alfeu Tavares, 149 – Rudge Ramos – São Bernardo do Campo – SP (Travessa da Rua Sacramento)
Quando: 25 de Outubro
Horário: das 8 às 17 horas
Prédio da Filosofia: Beta
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Convite: professores de filosofia
No dia 25/10, sábado, das 9h às 13h, a Universidade Metodista de São Paulo (Rua Alfeu Tavares, 149 (Auditório Delta), clique aqui para ver o mapa) realizará o III Encontro de Professores de Filosofia do ABC, protagonizado pelos professores Celso Favaretto (USP) e Marcos Sidnei Euzébio (Metodista). Além das palestras, haverá espaço para a troca de experiências e integração entre os diversos participantes.
O evento, gratuito, é aberto aos professores de filosofia da educação básica e todos demais interessados. As inscrições devem ser feitas pelo link www.metodista.br/filosofia.
Outras informações podem ser obtidas por e-mail (filosofia@metodista.br) ou telefone (4366-5891). Segue abaixo cartaz de divulgação do evento (clique na imagem para ampliá-la).
O evento, gratuito, é aberto aos professores de filosofia da educação básica e todos demais interessados. As inscrições devem ser feitas pelo link www.metodista.br/filosofia.
Outras informações podem ser obtidas por e-mail (filosofia@metodista.br) ou telefone (4366-5891). Segue abaixo cartaz de divulgação do evento (clique na imagem para ampliá-la).
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Novas configurações do mundo
Recebi recentemente da editora um exemplar do livro Mutações: ensaios sobre as novas configurações do mundo, organizado por Adauto Novaes e com textos de nomes de respeito, tais como o do próprio organizador, de Renato Lessa, Franklin Leopoldo e Silva, Giacoia, Olgária Matos, Sérgio Paulo Rouanet, Alencastro dentre tantos outros.
Trata-se de uma obra de peso. Organizar um livro escrito a várias mãos (falo com conhecimento de causa...) é sempre difícil por colocar o organizador na condição daquele que precisa harmonizar o conjunto dos textos, sem poder interferir na concepção e no direito autoral de cada parte da obra. Nas Mutações percebemos não só o respeito dos autores à temática central, ainda que cada qual abordando o texto de sua perspectiva particular, mas também identificamos que cada um dos textos, invariavelmente, contribuir de maneira singular para a discussão proposta, que, diga-se, é ambiciosa:
À margem das discussões "desenraizadas do mundo", travadas entre modernos e pós-modernos, a obra parte de uma problemática definida: o mundo se está transformando em um ritmo anteriormente não experimentado; diante disso, é preciso pensar o futuro, ainda que, por vezes, sob a luz dos grandes nomes do passado (sim, Giacoia o faz, brilhantemente, a partir de Nietzsche; e para que não pensem que ele abandona a temática central do livro em favor do seu filósofo, adianto: ele aborda "As duas mutações de Nietzsche").
Certamente uma obra densa e que fornece tantos subsídios para se entender o presente e se pensar o futuro é uma obra necessária, sobretudo nos tempos de instabilidade e incerteza (próprios dos tempos de mutações) em que vivemos. Fica a recomendação.
Título: Mutações: ensaios sobre as novas configurações do mundo
Organização: Adauto Novaes
Editoras: Rio de Janeiro: Agir; São Paulo: SESC SP, 2008
Acesse o site do livro
Trata-se de uma obra de peso. Organizar um livro escrito a várias mãos (falo com conhecimento de causa...) é sempre difícil por colocar o organizador na condição daquele que precisa harmonizar o conjunto dos textos, sem poder interferir na concepção e no direito autoral de cada parte da obra. Nas Mutações percebemos não só o respeito dos autores à temática central, ainda que cada qual abordando o texto de sua perspectiva particular, mas também identificamos que cada um dos textos, invariavelmente, contribuir de maneira singular para a discussão proposta, que, diga-se, é ambiciosa:
À margem das discussões "desenraizadas do mundo", travadas entre modernos e pós-modernos, a obra parte de uma problemática definida: o mundo se está transformando em um ritmo anteriormente não experimentado; diante disso, é preciso pensar o futuro, ainda que, por vezes, sob a luz dos grandes nomes do passado (sim, Giacoia o faz, brilhantemente, a partir de Nietzsche; e para que não pensem que ele abandona a temática central do livro em favor do seu filósofo, adianto: ele aborda "As duas mutações de Nietzsche").
Certamente uma obra densa e que fornece tantos subsídios para se entender o presente e se pensar o futuro é uma obra necessária, sobretudo nos tempos de instabilidade e incerteza (próprios dos tempos de mutações) em que vivemos. Fica a recomendação.
Título: Mutações: ensaios sobre as novas configurações do mundo
Organização: Adauto Novaes
Editoras: Rio de Janeiro: Agir; São Paulo: SESC SP, 2008
Acesse o site do livro
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
O verdadeiro filósofo
Este, O verdadeiro filósofo, é o título de um escrito de 1796, de César Chesneau du Marsais, do qual trago para o Blog algumas das passagens iniciais, pensando que possam contribuir à reflexão sobre o que é a filosofia e o que é um filósofo (ver, mais abaixo, postagens análogas, sobre Nietzsche e Heidegger):
O texto, traduzido por Regina Schöpke e Mauro Baladi, está publicado pela Martins Fontes.
Não há nada mais comum e que custe menos para adquirir, hoje em dia, que o nome de filósofo: uma vida obscura e retirada, alguma aparência de sabedoria com um pouco de leitura são suficientes para atrair esse nome para algumas pessoas que se honram com ele sem merecê-lo.
[...]O filósofo é uma máquina humana, como qualquer outro homem. Mas é uma máquina que, por sua constituição mecânica, reflete sobre seus movimentos. Os outros homens são determinados a agir sem sentir nem conhecer as causas que os fazem agir e e se mover, e sem mesmo imaginar que elas existem.
O filósofo, ao contrário, desvenda essas causas tanto quanto está ao seu alcance e, muitas vezes, chega a preveni-las e entrega-se a elas com conhecimento: ele é um relório que, por assim dizer, monta-se algumas vezes por si mesmo. Desse modo, ele evita os objetos que podem causar-lhe sentimentos que não convêm nem ao bem-estar nem ao ser racional, e procura aqueles que podem despertar-lhes afecções convenientes ao estado em que se encontra
[...]O filósofo é uma máquina humana, como qualquer outro homem. Mas é uma máquina que, por sua constituição mecânica, reflete sobre seus movimentos. Os outros homens são determinados a agir sem sentir nem conhecer as causas que os fazem agir e e se mover, e sem mesmo imaginar que elas existem.
O filósofo, ao contrário, desvenda essas causas tanto quanto está ao seu alcance e, muitas vezes, chega a preveni-las e entrega-se a elas com conhecimento: ele é um relório que, por assim dizer, monta-se algumas vezes por si mesmo. Desse modo, ele evita os objetos que podem causar-lhe sentimentos que não convêm nem ao bem-estar nem ao ser racional, e procura aqueles que podem despertar-lhes afecções convenientes ao estado em que se encontra
O texto, traduzido por Regina Schöpke e Mauro Baladi, está publicado pela Martins Fontes.
terça-feira, 14 de outubro de 2008
Entrevista com Chomsky
Reproduzo abaixo entrevista do filósofo Noam Chomsky ao Fernando Rodrigues, publicada na edição de hoje da Folha de S. Paulo:
Capitalismo seguirá igual, diz Chomsky
Crítico de Bush, lingüista diz que governo evita palavra "estatização" para que público não reivindique direito de interferir
Intelectual de esquerda descarta o surgimento de um novo capitalismo pós-crash, com maior presença do Estado na economia
FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK
Um dos intelectuais de esquerda mais respeitados do planeta, o lingüista Noam Chomsky, acha que a estatização total ou parcial do sistema financeiro dos EUA não vai ocorrer por causa da atual crise.
Colocaria em risco o que ele classifica de "tirania privada".
Por essa razão os governos do mundo desenvolvido evitam usar o termo até mesmo quando se trata de assumir o controle, ainda que só por algum tempo, de alguns bancos e corretoras que faliram por causa da crise atual.
Aos 79 anos, Chomsky leciona no MIT (Massachusetts Institute of Technology), uma das mais renomadas instituições de ensino superior dos EUA.
Para ele, se o governo norte-americano assumisse publicamente algumas de suas ações como "estatizações", abriria tecnicamente espaço para que os cidadãos do país também passassem a reivindicar o poder de interferir na condução do sistema. Até porque, diz o lingüista, "em princípio, o governo representa o público".
A possibilidade de um novo tipo de capitalismo surgir no pós-crash, com maior presença do Estado, é um cenário descartado por Chomsky. "A economia já é altamente dependente da dinâmica do setor estatal. É um sistema no qual o público paga os custos e assume os riscos, e os lucros são privados. Eu não vejo nenhuma indicação de que as instituições básicas do capitalismo de Estado estejam prestes a serem significativamente modificadas. É claro que a liberalização será reduzida, mas no interesse das instituições financeiras que vão sobreviver", diz ele.
A seguir, trechos da entrevistas de Chomsky concedida à Folha por e-mail.
FOLHA - Por que o governo dos EUA e banqueiros evitam expressões como "nacionalizar" ou "estatizar" ao falar dos pacotes de resgate para bancos nos quais haverá dinheiro público ou compra de ações pelo Estado?
NOAM CHOMSKY - Nós vivemos numa cultura altamente ideológica na qual "estatização" é uma palavra que põe medo, como "socialismo" (ou, para muitos, até "liberal"). A propósito, esse é um assunto sério. Se o Wells Fargo compra o Wachovia, então tudo fica dentro do setor privado -ou seja, dentro do sistema de tirania privada no qual o público não tem voz, em princípio. Dentro do sistema ideológico isso é chamado "livre mercado" e "democracia". Se [Henry] Paulson dá dinheiro público para bancos mas sem o direito de tomar decisões dentro dessas instituições, trata-se de um distanciamento da tirania pura chamada "liberdade", mas não muito. Se o governo adquire ações com poder de decisão dentro dos bancos, há sempre o risco de o público então também poder interferir -uma vez que, em princípio, o governo representa o público. Essa ameaça de democracia é muito mais severa para ser aceitável dentro do sistema doutrinário reinante.
Um aspecto intrigante do sistema é que o governo é visto como uma força externa, separada da população. E em muitos círculos, é interpretado como força opressora da população.
A idéia de o governo ser "para e pelo povo" é restrita a discursos patriotas e aulas de civismo nas escolas. Ou deveriam ser.
FOLHA - A onda de intervenção do Estados nas instituições financeiras será revertida no futuro ou haverá um novo cenário no qual mais bancos passarão de maneira perene a ser controlados pelo poder público?
CHOMSKY - A estatização completa é muito improvável pelas razões que eu mencionei. Uma ação nessa direção traria junto uma ameaça de democracia, ou seja, uma ameaça de o público se tornar envolvido nas tomadas de decisões sobre o sistema socioeconômico. O principal filósofo americano do século 20, John Dewey, observou que enquanto o público não ganhar controle efetivo das principais instituições da sociedade -financeiras, industriais, mídia etc.- a política permanecerá como "uma sombra dos negócios sobre a sociedade". Naturalmente, esse é o tipo de negócio que o mundo prefere. E a sua dominância sobre os sistemas doutrinários e políticos é tão enorme que a tirania privada é chamada de "democracia".
Já a ameaça de haver democracia real é chamada de "ameaça da tirania".
FOLHA - Esta é a pior crise econômica-financeira desde a Grande Depressão dos anos 30? Seria também o prenúncio de grandes mudanças no capitalismo como hoje o conhecemos?
CHOMSKY - Tem sido vista como a pior crise desde aquela época. Mas ainda não sabemos o quão severa será a crise econômica que está por vir.
Também acho que devemos ser cautelosos ao usar o termo "capitalismo". O sistemas existentes são de uma outra forma, um capitalismo de estado. Tem havido muita discussão sobre se o público deverá bancar o custo e o risco das operações de salvamentos dos bancos, mas essas lamentações -até por economistas que deveriam conhecer melhor as coisas- estão baseados na insatisfação ao se enfrentar a realidade de como a economia funciona.
A economia já é altamente dependente da dinâmica do setor estatal para que haja inovação e desenvolvimento. É um sistema no qual o público paga os custos e assume os riscos. Os lucros são privados. Eu não vejo nenhuma indicação de que as instituições básicas do capitalismo de Estado estejam prestes a serem significativamente modificadas. O sistema financeiro já foi alterado, com o colapso do modelo de bancos de investimentos. Já se reconheceu décadas atrás que a liberalização dos anos 70 embutiam um risco severo de crises repetidas e profundas. É claro que a liberalização será reduzida, mas no interesse das instituições financeiras que vão sobreviver. É possível que a retórica hipócrita do mercado fundamentalista seja também um pouco mais contida.
FOLHA - O sr. era jovem nos anos 30, mas vê semelhanças entre aquela crise a atual?
CHOMSKY - O desemprego era maior, mas essa é apenas uma das diferenças. Entre as semelhanças, creio que assim como naquela época, agora estamos indo em direção a um grande depressão.
FOLHA - Os últimos governos tomaram decisões liberalizantes para o mercado. Tanto o de George W. Bush como o de Bill Clinton -neste último, quebrando o muro que separava bancos comerciais de bancos de investimentos. Democratas e republicanos são igualmente responsáveis?
CHOMSKY - A responsabilidade pela situação atual é dos dois partidos. Alertas foram ignorados. No fundo, republicanos e democratas são ambos facções de um "partido dos negócios".
São um pouco diferentes, mas operam dentro da mesma estrutura institucional. Então não me parece ser uma surpresa que a culpa seja compartilhada. O problema é que essa discussão toda ignora o fato crucial da liberalização financeira: o seu impacto em solapar a democracia.
FOLHA - Quem o sr. acredita estar mais bem preparado para assumir a Casa Branca.
CHOMSKY - Barack Obama, provavelmente. Ao longo do tempo, a população se dá economicamente de maneira melhor com os democratas. Eles têm se movido à direita em políticas socioeconômicas. Mas John McCain é um descontrolado. É difícil saber o que ele poderia fazer. E os interesses que ele representa são extremamente perigosos para os EUA e para o mundo. Também para a esfera econômica.
FOLHA - Fala-se em num novo Bretton Woods, uma nova estrutura econômica mundial. Quem poderia liderar esse processo?
CHOMSKY - O poder ainda reside primeiramente nos EUA. Depois, na Europa. Apesar da diversificação na Ásia, o que vejo ainda é o G7 tomando a frente nesse papel de reformar o sistema.
FOLHA - Que tipo de capitalismo vai emergir da atual crise?
CHOMSKY - O capitalismo de Estado será provavelmente muito parecido ao atual, com um pouco mais de regulação e controle sobre as instituições financeiras, que serão reconstruídas (com os bancos de investimento). Mas não há indicações, pelo menos agora, de mudanças dramáticas.
Crítico de Bush, lingüista diz que governo evita palavra "estatização" para que público não reivindique direito de interferir
Intelectual de esquerda descarta o surgimento de um novo capitalismo pós-crash, com maior presença do Estado na economia
FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK
Um dos intelectuais de esquerda mais respeitados do planeta, o lingüista Noam Chomsky, acha que a estatização total ou parcial do sistema financeiro dos EUA não vai ocorrer por causa da atual crise.
Colocaria em risco o que ele classifica de "tirania privada".
Por essa razão os governos do mundo desenvolvido evitam usar o termo até mesmo quando se trata de assumir o controle, ainda que só por algum tempo, de alguns bancos e corretoras que faliram por causa da crise atual.
Aos 79 anos, Chomsky leciona no MIT (Massachusetts Institute of Technology), uma das mais renomadas instituições de ensino superior dos EUA.
Para ele, se o governo norte-americano assumisse publicamente algumas de suas ações como "estatizações", abriria tecnicamente espaço para que os cidadãos do país também passassem a reivindicar o poder de interferir na condução do sistema. Até porque, diz o lingüista, "em princípio, o governo representa o público".
A possibilidade de um novo tipo de capitalismo surgir no pós-crash, com maior presença do Estado, é um cenário descartado por Chomsky. "A economia já é altamente dependente da dinâmica do setor estatal. É um sistema no qual o público paga os custos e assume os riscos, e os lucros são privados. Eu não vejo nenhuma indicação de que as instituições básicas do capitalismo de Estado estejam prestes a serem significativamente modificadas. É claro que a liberalização será reduzida, mas no interesse das instituições financeiras que vão sobreviver", diz ele.
A seguir, trechos da entrevistas de Chomsky concedida à Folha por e-mail.
FOLHA - Por que o governo dos EUA e banqueiros evitam expressões como "nacionalizar" ou "estatizar" ao falar dos pacotes de resgate para bancos nos quais haverá dinheiro público ou compra de ações pelo Estado?
NOAM CHOMSKY - Nós vivemos numa cultura altamente ideológica na qual "estatização" é uma palavra que põe medo, como "socialismo" (ou, para muitos, até "liberal"). A propósito, esse é um assunto sério. Se o Wells Fargo compra o Wachovia, então tudo fica dentro do setor privado -ou seja, dentro do sistema de tirania privada no qual o público não tem voz, em princípio. Dentro do sistema ideológico isso é chamado "livre mercado" e "democracia". Se [Henry] Paulson dá dinheiro público para bancos mas sem o direito de tomar decisões dentro dessas instituições, trata-se de um distanciamento da tirania pura chamada "liberdade", mas não muito. Se o governo adquire ações com poder de decisão dentro dos bancos, há sempre o risco de o público então também poder interferir -uma vez que, em princípio, o governo representa o público. Essa ameaça de democracia é muito mais severa para ser aceitável dentro do sistema doutrinário reinante.
Um aspecto intrigante do sistema é que o governo é visto como uma força externa, separada da população. E em muitos círculos, é interpretado como força opressora da população.
A idéia de o governo ser "para e pelo povo" é restrita a discursos patriotas e aulas de civismo nas escolas. Ou deveriam ser.
FOLHA - A onda de intervenção do Estados nas instituições financeiras será revertida no futuro ou haverá um novo cenário no qual mais bancos passarão de maneira perene a ser controlados pelo poder público?
CHOMSKY - A estatização completa é muito improvável pelas razões que eu mencionei. Uma ação nessa direção traria junto uma ameaça de democracia, ou seja, uma ameaça de o público se tornar envolvido nas tomadas de decisões sobre o sistema socioeconômico. O principal filósofo americano do século 20, John Dewey, observou que enquanto o público não ganhar controle efetivo das principais instituições da sociedade -financeiras, industriais, mídia etc.- a política permanecerá como "uma sombra dos negócios sobre a sociedade". Naturalmente, esse é o tipo de negócio que o mundo prefere. E a sua dominância sobre os sistemas doutrinários e políticos é tão enorme que a tirania privada é chamada de "democracia".
Já a ameaça de haver democracia real é chamada de "ameaça da tirania".
FOLHA - Esta é a pior crise econômica-financeira desde a Grande Depressão dos anos 30? Seria também o prenúncio de grandes mudanças no capitalismo como hoje o conhecemos?
CHOMSKY - Tem sido vista como a pior crise desde aquela época. Mas ainda não sabemos o quão severa será a crise econômica que está por vir.
Também acho que devemos ser cautelosos ao usar o termo "capitalismo". O sistemas existentes são de uma outra forma, um capitalismo de estado. Tem havido muita discussão sobre se o público deverá bancar o custo e o risco das operações de salvamentos dos bancos, mas essas lamentações -até por economistas que deveriam conhecer melhor as coisas- estão baseados na insatisfação ao se enfrentar a realidade de como a economia funciona.
A economia já é altamente dependente da dinâmica do setor estatal para que haja inovação e desenvolvimento. É um sistema no qual o público paga os custos e assume os riscos. Os lucros são privados. Eu não vejo nenhuma indicação de que as instituições básicas do capitalismo de Estado estejam prestes a serem significativamente modificadas. O sistema financeiro já foi alterado, com o colapso do modelo de bancos de investimentos. Já se reconheceu décadas atrás que a liberalização dos anos 70 embutiam um risco severo de crises repetidas e profundas. É claro que a liberalização será reduzida, mas no interesse das instituições financeiras que vão sobreviver. É possível que a retórica hipócrita do mercado fundamentalista seja também um pouco mais contida.
FOLHA - O sr. era jovem nos anos 30, mas vê semelhanças entre aquela crise a atual?
CHOMSKY - O desemprego era maior, mas essa é apenas uma das diferenças. Entre as semelhanças, creio que assim como naquela época, agora estamos indo em direção a um grande depressão.
FOLHA - Os últimos governos tomaram decisões liberalizantes para o mercado. Tanto o de George W. Bush como o de Bill Clinton -neste último, quebrando o muro que separava bancos comerciais de bancos de investimentos. Democratas e republicanos são igualmente responsáveis?
CHOMSKY - A responsabilidade pela situação atual é dos dois partidos. Alertas foram ignorados. No fundo, republicanos e democratas são ambos facções de um "partido dos negócios".
São um pouco diferentes, mas operam dentro da mesma estrutura institucional. Então não me parece ser uma surpresa que a culpa seja compartilhada. O problema é que essa discussão toda ignora o fato crucial da liberalização financeira: o seu impacto em solapar a democracia.
FOLHA - Quem o sr. acredita estar mais bem preparado para assumir a Casa Branca.
CHOMSKY - Barack Obama, provavelmente. Ao longo do tempo, a população se dá economicamente de maneira melhor com os democratas. Eles têm se movido à direita em políticas socioeconômicas. Mas John McCain é um descontrolado. É difícil saber o que ele poderia fazer. E os interesses que ele representa são extremamente perigosos para os EUA e para o mundo. Também para a esfera econômica.
FOLHA - Fala-se em num novo Bretton Woods, uma nova estrutura econômica mundial. Quem poderia liderar esse processo?
CHOMSKY - O poder ainda reside primeiramente nos EUA. Depois, na Europa. Apesar da diversificação na Ásia, o que vejo ainda é o G7 tomando a frente nesse papel de reformar o sistema.
FOLHA - Que tipo de capitalismo vai emergir da atual crise?
CHOMSKY - O capitalismo de Estado será provavelmente muito parecido ao atual, com um pouco mais de regulação e controle sobre as instituições financeiras, que serão reconstruídas (com os bancos de investimento). Mas não há indicações, pelo menos agora, de mudanças dramáticas.
sábado, 4 de outubro de 2008
Eleição e revolução
Estou atualmente ministrando um curso livre em que apresento uma leitura possível de conceitos-chave do pensamento marxista. Nesta semana, nas leituras deste curso, comentamos a "violência como parteira da história". É sempre curiosa a reação dos interlocutores quando lemos, em Marx, uma certa exaltação da violência - que eu, honestamente, entendo como simples tratamento explícito de algo invariavelmente presente, seja na manutenção ou na revolução social. Claro, vivemos em tempos de uma "cultura da paz", sem nos lembrar que como parte de "manter a paz", temos que "manter a ordem" e assim o status quo.
Em período eleitoral essa reflexão, sobre a violência necessária à transformação social, é especialmente interessante. Vemos pessoas momentaneamente envolvidas com política, esperançosas que um ou outro candidato, se e quando eleito, transformará a realidade. Vemos manifestações políticas, muitas vezes desastradas porque praticadas por inexperientes desorientados ou ingênuos politicamente, vindas das partes mais improváveis. Há quem não tenha feito política, pelo menos, nos últimos quatro anos, e agora, às vésperas das eleições, assume posturas, panfleta idéias, ainda que de forma desajeitada...
A crença, consciente ou não, no processo eleitoral talvez seja atualmente o maior ópio do povo. Não se faz revolução com, na ou pela eleição. Infelizmente.
Em período eleitoral essa reflexão, sobre a violência necessária à transformação social, é especialmente interessante. Vemos pessoas momentaneamente envolvidas com política, esperançosas que um ou outro candidato, se e quando eleito, transformará a realidade. Vemos manifestações políticas, muitas vezes desastradas porque praticadas por inexperientes desorientados ou ingênuos politicamente, vindas das partes mais improváveis. Há quem não tenha feito política, pelo menos, nos últimos quatro anos, e agora, às vésperas das eleições, assume posturas, panfleta idéias, ainda que de forma desajeitada...
A crença, consciente ou não, no processo eleitoral talvez seja atualmente o maior ópio do povo. Não se faz revolução com, na ou pela eleição. Infelizmente.
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
O que é um filósofo?
O livro do filósofo reúne uma série de fragmentos e apontamentos que Nietzsche não publicou em vida. Inclui os textos O último filósofo. Considerações sobre o conflito entre arte e conhecimento, de 1872; O filósofo como médico da civilização, de 73; Introdução teorética sobre a verdade e a mentira no sentido extra moral, do mesmo ano; e A ciência e a sabedoria em conflito, de 75.
É no Filósofo como médico da civilização que o martelador pergunta "O que é o filósofo?". Como resposta, Nietzsche aponta no decorrer do seu texto:
Ele parece
(a)um solitário
(b) o senhor das cem cabeças mais espirituais e mais abstratas
(c) ou ainda o odioso destruidor da civilização nacional
...
Existe uma relação necessária com o povo? Existe uma teleologia do filósofo?
Para a resposta deve-se saber o que se chama de "sua época": pode ser um período pequeno ou muito longo.
Tese essencial: ele não pode criar uma civilização, mas prepará-la, suprimindo os entraves ou moderando-a e assim conservando-a ou destruindo-a.
...
A respeito de todos os aspectos positivos de uma civilização, de uma religião, sua atitude é dissolver e destruir.
Ele é mais útil quando há muito o que destruir, nas épocas de caos e degeneração.
Mais adiante, falando sobre a filosofia, Nietzsche define:
Valor da filosofia:
Purificação de todas as representações confusas e supersticiosas. Contra o dogmatismo das ciências.
...
Atividade específica da filosofia para os tempos presentes.
Falta da ética popular
Falta do sentimento da importância do conhecimento e da escolha.
caráter superficial na consideração da Igreja, do Estado e da sociedade.
A raiva pela História.
A eloqüência da arte e a ausência de civilização.
...
Em uma palavra, todas as ciências sem sua aplicação prática: conduzidas portanto de tal maneira que não formam os verdadeiros homens da civilização. A ciência concebida como um bordado!
Vós praticais a filosofia com jovens sem experiência: vossos velhos voltaram-se para a História. Não tendes de nenhum mundo uma filosofia popular, mas, ao contrário, conferências populares vergonhosamente uniformes. Temas de composição sobre Schopenhauer propostos pelas universidades aos estudantes! Discursos populares sobre Schopenhauer! Uma total falta de dignidade.
Pensador controverso, assumidamente contraditório, Nietzsche sempre me faz pensar. Talvez só ele fosse suficientemente super-homem para apresentar no cartão de visitas, abaixo do seu nome, a profissão "Filósofo". Talvez pensasse algo parecido (sobretudo se considerados os últimos dizeres aqui transcritos, sobre a incapacidade dos estudantes versarem sobre Schopenhauer...).
Mas não deixo de ver certo sentido no entendimento do papel destrutivo (ao menos se entendido como desmistificador) da filosofia.
Coisas a se pensar...
O livro do filósofo foi publicado no Brasil pela Centauro Editora. Tradução de Rubens Eduardo Ferreira Frias.
(Obs.: Filosofia como desmistificadora: sim a imagem é de Nietzsche. Não, ele não nasceu com bigode)
É no Filósofo como médico da civilização que o martelador pergunta "O que é o filósofo?". Como resposta, Nietzsche aponta no decorrer do seu texto:
Ele parece
(a)um solitário
(b) o senhor das cem cabeças mais espirituais e mais abstratas
(c) ou ainda o odioso destruidor da civilização nacional
...
Existe uma relação necessária com o povo? Existe uma teleologia do filósofo?
Para a resposta deve-se saber o que se chama de "sua época": pode ser um período pequeno ou muito longo.
Tese essencial: ele não pode criar uma civilização, mas prepará-la, suprimindo os entraves ou moderando-a e assim conservando-a ou destruindo-a.
...
A respeito de todos os aspectos positivos de uma civilização, de uma religião, sua atitude é dissolver e destruir.
Ele é mais útil quando há muito o que destruir, nas épocas de caos e degeneração.
Mais adiante, falando sobre a filosofia, Nietzsche define:
Valor da filosofia:
Purificação de todas as representações confusas e supersticiosas. Contra o dogmatismo das ciências.
...
Atividade específica da filosofia para os tempos presentes.
Falta da ética popular
Falta do sentimento da importância do conhecimento e da escolha.
caráter superficial na consideração da Igreja, do Estado e da sociedade.
A raiva pela História.
A eloqüência da arte e a ausência de civilização.
...
Em uma palavra, todas as ciências sem sua aplicação prática: conduzidas portanto de tal maneira que não formam os verdadeiros homens da civilização. A ciência concebida como um bordado!
Vós praticais a filosofia com jovens sem experiência: vossos velhos voltaram-se para a História. Não tendes de nenhum mundo uma filosofia popular, mas, ao contrário, conferências populares vergonhosamente uniformes. Temas de composição sobre Schopenhauer propostos pelas universidades aos estudantes! Discursos populares sobre Schopenhauer! Uma total falta de dignidade.
Pensador controverso, assumidamente contraditório, Nietzsche sempre me faz pensar. Talvez só ele fosse suficientemente super-homem para apresentar no cartão de visitas, abaixo do seu nome, a profissão "Filósofo". Talvez pensasse algo parecido (sobretudo se considerados os últimos dizeres aqui transcritos, sobre a incapacidade dos estudantes versarem sobre Schopenhauer...).
Mas não deixo de ver certo sentido no entendimento do papel destrutivo (ao menos se entendido como desmistificador) da filosofia.
Coisas a se pensar...
O livro do filósofo foi publicado no Brasil pela Centauro Editora. Tradução de Rubens Eduardo Ferreira Frias.
(Obs.: Filosofia como desmistificadora: sim a imagem é de Nietzsche. Não, ele não nasceu com bigode)
terça-feira, 23 de setembro de 2008
Filosofia só na Europa!
Por motivos diversos tenho nas últimas semanas me empenhado em buscar definições e sentidos dados por autores vários ao ato de filosofar. Numa palavra, tenho procurado entender o que os grandes filósofos entendiam por filosofia e por filosofar.
Os resultados são tão variados quanto interessantes. Muitas vezes opostos.
Heidegger, por exemplo, diz que eu - e provavelmente você - não podemos ser filósofos. Isso não só porque a filosofia é exclusivamente européia, como porque "o Ocidente e a Europa, e somente eles," são "filosóficos".
Dou-me o direito de discordar. Afinal, Heidegger fala dos caminhos por onde costumo passar com a mesma propriedade com que eu falaria da sua Alemanha...
O texto heideggeriano nos ajuda a manter viva a desconfiança dos escritos dos grandes filósofos (sim, sim, apesar disso ele é um grande filósofo):
Extraído de "O que é isso - a filosofia?", de Martin Heidegger. Tradução de E. Stein.
Os resultados são tão variados quanto interessantes. Muitas vezes opostos.
Heidegger, por exemplo, diz que eu - e provavelmente você - não podemos ser filósofos. Isso não só porque a filosofia é exclusivamente européia, como porque "o Ocidente e a Europa, e somente eles," são "filosóficos".
Dou-me o direito de discordar. Afinal, Heidegger fala dos caminhos por onde costumo passar com a mesma propriedade com que eu falaria da sua Alemanha...
O texto heideggeriano nos ajuda a manter viva a desconfiança dos escritos dos grandes filósofos (sim, sim, apesar disso ele é um grande filósofo):
A palavra philosophía diz-nos que a filosofia é algo que pela primeira vez e antes de tudo vinca a existência do mundo grego. Não só isto — a philosophía determina também a linha mestra de nossa história ocidental-européia. A batida expressão “filosofia ocidental-européia” é, na verdade, uma tautologia. Por quê? Porque a ‘filosofia” é grega em sua essência —e grego aqui significa: a filosofia é nas origens de sua essência de tal natureza que ela primeiro se apoderou do mundo grego e só dele, usando-o para se desenvolver.
Mas a essência originariamente grega da filosofia é dirigida e dominada, na época de sua vigência na Modernidade Européia, por representações do cristianismo. A hegemonia destas representações é mediada pela Idade Média. Entretanto, não se pode dizer que por isto a filosofia se tornou cristã, quer dizer, uma tarefa da fé na revelação e na autoridade da Igreja. A frase: a filosofia é grega em sua essência, não diz outra coisa que: o Ocidente e a Europa, e somente eles, são, na marcha mais íntima de sua história, originariamente “filosóficos”. Isto é atestado pelo surto e domínio das ciências. Pelo fato de elas brotarem da marcha mais íntima da história ocidental-européia, o que vale dizer do processo da filosofia, são elas capazes de marcar hoje, com seu cunho específico, a história da humanidade pelo orbe terrestre.
Mas a essência originariamente grega da filosofia é dirigida e dominada, na época de sua vigência na Modernidade Européia, por representações do cristianismo. A hegemonia destas representações é mediada pela Idade Média. Entretanto, não se pode dizer que por isto a filosofia se tornou cristã, quer dizer, uma tarefa da fé na revelação e na autoridade da Igreja. A frase: a filosofia é grega em sua essência, não diz outra coisa que: o Ocidente e a Europa, e somente eles, são, na marcha mais íntima de sua história, originariamente “filosóficos”. Isto é atestado pelo surto e domínio das ciências. Pelo fato de elas brotarem da marcha mais íntima da história ocidental-européia, o que vale dizer do processo da filosofia, são elas capazes de marcar hoje, com seu cunho específico, a história da humanidade pelo orbe terrestre.
Extraído de "O que é isso - a filosofia?", de Martin Heidegger. Tradução de E. Stein.
terça-feira, 16 de setembro de 2008
Em quem eu não voto (4)
Outros dois critérios tão óbvios quanto importantes:
1. Eu não voto em candidato ou partido que tenha sido envolvido em caso de corrupção (acredite, há candidatos e partidos sobre os quais não pesam nenhuma denúncia!)
2. Eu não voto candidato que esteja respondendo processo. É verdade que esse critério não é absoluto: eu procuro saber a qual processo o candidato responde. Dependendo do caso, dependendo do "crime" pelo qual ele esteja sendo processado, ele até ganha meu voto!
1. Eu não voto em candidato ou partido que tenha sido envolvido em caso de corrupção (acredite, há candidatos e partidos sobre os quais não pesam nenhuma denúncia!)
2. Eu não voto candidato que esteja respondendo processo. É verdade que esse critério não é absoluto: eu procuro saber a qual processo o candidato responde. Dependendo do caso, dependendo do "crime" pelo qual ele esteja sendo processado, ele até ganha meu voto!
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
Em quem eu não voto (3)
Como a lista de candidatos é especialmente extensa e majoritariamente péssima, dou-me também o direito de exagerar (moderadamente) nos meus critérios:
Eu não voto em candidato que esteja estampado no adesivo colado em um determinado carro que esteja desrespeitando as regras de trânsito, prejudicando-o.
Alguém pode me dizer: mas o carro pode estar sendo dirigido por uma pessoa que não representa o tal candidato. Concordo. Por isso eu disse que esse meu critério é um tanto exagerado. Mas também é exagerado termos mais de 25 partidos, mais de 200 candidatos em média nas cidades por onde circulo (que têm, cada, mais ou menos 10 vagas legislativas). No meio de tantos exageros, não consigo moderar demais nos critérios.
Eu não voto em candidato que esteja estampado no adesivo colado em um determinado carro que esteja desrespeitando as regras de trânsito, prejudicando-o.
Alguém pode me dizer: mas o carro pode estar sendo dirigido por uma pessoa que não representa o tal candidato. Concordo. Por isso eu disse que esse meu critério é um tanto exagerado. Mas também é exagerado termos mais de 25 partidos, mais de 200 candidatos em média nas cidades por onde circulo (que têm, cada, mais ou menos 10 vagas legislativas). No meio de tantos exageros, não consigo moderar demais nos critérios.
sábado, 13 de setembro de 2008
Em quem eu não voto (2)
Outros critérios são mais óbvios mas não menos importantes para excluir candidatos da minha lista de opções:
1. Eu não voto em quem já tenha exercido mandato e não tenha proposto pelo menos 2 ou 3 projetos de lei que eu considere realmente importantes.
2. Eu não voto em quem já mudou de partido 2 vezes ou mais, a menos que ele ou ela tenha dado uma justificativa efetivamente consistente e ligada a mudanças ideológicas (pessoais ou do partido).
3. Eu não voto em quem usa seu comércio como trampolim eleitoral (no fulano do supermercado ou no beltrano da farmácia). Entendo que dar descontos ou vender fiado para conseguir votos é uma forma sutil de abuso do poder econômico.
4. Eu não voto em quem não me responde. Quero que o político me represente quando eleito, e para isso ele precisa me ouvir. Antes de votar, envio e-mail ou ligo para o candidato. Se ele não responder (pessoalmente ou por meio da assessoria, é claro), não será representativo e portanto não é uma opção.
5. Eu prefiro não votar em políticos profissionais. Quem é vereador há 20 anos talvez precise voltar a ser "cidadão comum", para poder a estes representar.
6. Eu também prefiro não votar no partido ou grupo político que está no comando da mesma cidade há 3 mandatos ou mais. Independente da "cor" do partido. Considerando que os partidos no poder não têm na ideologia política sua principal bandeira, penso ser mais saudável a alternância, como forma de variar os campos de governo privilegiados a cada período...
1. Eu não voto em quem já tenha exercido mandato e não tenha proposto pelo menos 2 ou 3 projetos de lei que eu considere realmente importantes.
2. Eu não voto em quem já mudou de partido 2 vezes ou mais, a menos que ele ou ela tenha dado uma justificativa efetivamente consistente e ligada a mudanças ideológicas (pessoais ou do partido).
3. Eu não voto em quem usa seu comércio como trampolim eleitoral (no fulano do supermercado ou no beltrano da farmácia). Entendo que dar descontos ou vender fiado para conseguir votos é uma forma sutil de abuso do poder econômico.
4. Eu não voto em quem não me responde. Quero que o político me represente quando eleito, e para isso ele precisa me ouvir. Antes de votar, envio e-mail ou ligo para o candidato. Se ele não responder (pessoalmente ou por meio da assessoria, é claro), não será representativo e portanto não é uma opção.
5. Eu prefiro não votar em políticos profissionais. Quem é vereador há 20 anos talvez precise voltar a ser "cidadão comum", para poder a estes representar.
6. Eu também prefiro não votar no partido ou grupo político que está no comando da mesma cidade há 3 mandatos ou mais. Independente da "cor" do partido. Considerando que os partidos no poder não têm na ideologia política sua principal bandeira, penso ser mais saudável a alternância, como forma de variar os campos de governo privilegiados a cada período...
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