terça-feira, 19 de agosto de 2008

Aprender a filosofar

Na última reunião de estudos do NEFiC, ocorrida no sábado passado, tivemos oportunidade de debater o texto O "valor formador" da filosofia, de Etienne Tassin. Foi uma deliciosa ocasião para reavivarmos e explicitarmos algumas das concepções fundamentais de Kant e de Hegel - filósofos cujos pensamentos fundamentavam as idéias centrais do texto estudado. Entre as muitas críticas e concordâncias que manifestamos com o texto, destaco uma argumentação do autor, que considero especialmente relevante. Diz respeito à possibilidade do ensino de filosofia.
Começo pelas duas epígrafes do texto. A primeira de Kant, na Crítica da Razão Pura


"Até agora não se chegou a aprender filosofia alguma; pois onde está ela, quem a possui e através de quê é dado a conhecê-la? Só é possível aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razão na aplicação de seus princípios gerais em certas tentativas que se apresentam..."



É a famosa proposição kantiana segundo a qual não se ensina filosofia, apenas se aprende a filosofar, visto que ninguém é capaz de definir o que seja a Filosofia em si, qual seu conteúdo e sua característica. Em seu texto, parafraseando Kant, Tassin afirma que "uma definição filosófica da filosofia seria uma contradição", justamente por encerrar aquilo que é inesgotável - a própria filosofia.
Mas a segunda epígrafe do texto, logo abaixo da kantiana, vem dos Textos pedagógicos de Hegel:


"Segundo a doença moderna, especialmente a pedagogia, deve-se antes aprender a filosofar sem conteúdo do que ser instruído no conteúdo da filosofia; o que significa, aproximadamente, isto: deve-se viajar e sempre viajar, sem aprender a conhecer as cidades, os rios, os países, os homens, etc."


Aparentemente pode-se tomar os trechos, primeiro de Kant e depois de Hegel, como opostos. Mais especificamente, parece que Hegel critica a Kant enfaticamente. Mas baseado em Hegel, Etienne Tassin nos escreve: "No que diz respeito ao ensino, a meta da filosofia é [...] ensinar a pensar especulativamente [nota minha: aqui ele concorda com Kant]. O que não significa ensinar o conteúdo das filosofias sob a forma de uma história da filosofia" [nota minha: aqui ele cria uma possibilidade de articulação ente Kant e Hegel].
A proposta do autor é que a Filosofia não é uma matéria - ou melhor, não tem uma matéria própria, não tem um conteúdo próprio - e por isso não pode ser ensinada. Não há um objeto próprio da filosofia que se possa ensinar em sala de aulas; e muitos se equivocam quanto a isso: não tendo clareza da inexistência deste objeto próprio da filosofia, objetivam a "história da filosofia" como se fosse a própria "filosofia".
Por outro lado, ao trazer a crítica hegeliana, o autor lembra que: se é verdade que filosofia é antes uma postura, o pensar especulativo, por outro lado é preciso ter claro que pensar é sempre pensar sobre algo. Portanto o fato da Filosofia não ter um conteúdo próprio não pode significar que não há conteúdo sobre o qual se filosofar. É preciso escolher e colher "no mundo" (ou nas diversas ciências) sobre o quê filosofar, em quê aplicar este pensamento especulativo que é uma das características filosóficas.
Certamente a discussão travada no grupo foi muito além deste ponto. Eventualmente poderemos retomar outros aspectos nas próximas postagens.