quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Sobre a Ditadura

Acaba de ser lançado o livro Direito à memória e à verdade, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Trata-se do resultado de 11 anos de pesquisas da Comissão, na parte aberta dos arquivos da Ditadura Militar no Brasil.
Às vezes nos referimos à Ditadura como um período relativamente curto e pertencente a um passado distante. Infelismente não o é. Lembremos que ela durou 25 anos (1964-1989), e terminou há menos de 2 décadas (quantos dos leitores deste blog nasceram, como eu, ainda sob o regime ditatorial?).
O livro tem distribuição eletrônica gratuita, podendo ser acessado neste link.
Méritos aos bons préstimos do nosso governo à história passada e futura do país.
Reproduzo abaixo a Apresentação da obra:

Este livro-relatório tem como objetivo contribuir para que o Brasil avance na consolidação do respeito aos Direitos Humanos, sem medo de conhecer a sua história recente. A violência, que ainda hoje assusta o País como ameaça ao impulso de crescimento e de inclusão social em curso deita raízes em nosso passado escravista e paga tributo às duas ditaduras do século 20.
Jogar luz no período de sombras e abrir todas as informações sobre violações de Direitos Humanos ocorridas no último ciclo ditatorial são imperativos urgentes de uma nação que reivindica, com legitimidade, novo status no cenário internacional e nos mecanismos dirigentes da ONU.
Ao registrar para os anais da história e divulgar o trabalho realizado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos ao longo de 11 anos, esta publicação representa novo passo numa caminhada de quatro décadas. Nessa jornada, uniram-se para um esforço conjunto brasileiros que se opunham na arena política imediata.
Sob a gestão de Nelson Jobim no Ministério da Justiça, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade frente à questão dos opositores que foram mortos pelo aparelho repressivo do regime militar. Papel decisivo nessa conquista tiveram os familiares dos mortos e desaparecidos, com sua perseverança e tenacidade, e o futuro ministro José Gregori, então chefe
de Gabinete do Ministério da Justiça.
O Executivo Federal preparou um projeto que o parlamento brasileiro transformou em lei em dezembro de 1995, criando uma Comissão Especial com três tarefas: reconhecer formalmente caso por caso, aprovar a reparação indenizatória e buscar a localização dos restos mortais que nunca foram entregues para sepultamento. A Comissão Especial manteve uma coerente linha de continuidade atravessando, até o momento, quatro mandatos presidenciais. Durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei foi ampliada em sua abrangência e praticamente se concluiu o exame de todos os casos apresentados.
Uma dupla face deste Brasil que rompe o século 21 – com sonhos e desafios novos – saltará à vista dos leitores deste livro, sejam eles vítimas do período ditatorial, sejam eles apoiadores daquele regime, sejam juízes, procuradores, parlamentares, autoridades do Executivo, jornalistas, estudantes, trabalhadores, cidadãos e cidadãs de todas as áreas.
Uma face é a do país que vem fortalecendo suas instituições democráticas há mais de 20 anos. É a face boa, estimulante e promissora de uma nação que parece ter optado definitivamente pela democracia, entendendo que ela representa um poderoso escudo contra os impulsos do ódio e da guerra, que sempre se alimentam da opressão.
A leitura também mostrará uma outra face. É aquela percebida nos obstáculos que foram encontrados por quem exige conhecer a verdade, com destaque para quem reclama o direito milenar e sagrado de sepultar seus entes queridos. Na história da humanidade, os povos mais sanguinários interrompiam suas batalhas em curtas tréguas para troca de cadáveres, possibilitando a cada exército, tribo ou nação prantear
seus mortos, fazendo do funeral o encerramento simbólico do ciclo da vida.
Nenhum espírito de revanchismo ou nostalgia do passado será capaz de seduzir o espírito nacional, assim como o silêncio e a omissão funcionarão, na prática, como barreira para a superação de um passado que ninguém quer de volta.
O lançamento deste livro na data que marca 28 anos da publicação da Lei de Anistia, em 1979, sinaliza a busca de concórdia, o sentimento de reconciliação e os objetivos humanitários que moveram os 11 anos de trabalho da Comissão Especial.

Paulo Vannuchi
Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República

Marco Antônio Rodrigues Barbosa
Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

Filosofia e Educação

É sempre espantoso (no sentido filosófico) observar como somos capazes ver coisas diferentes em um mesmo objeto, dependendo do "lugar" de onde olhamos. Lembro-me de como eu via a Universidade quando era aluno - e me esforço por manter, ao menos em parte, aquele modo de olhar. Naqueles momentos, eu nem imaginava os imensos debates que se travam em seu interior, na tentativa de se estabelecer as bases para uma mudança mais significativa nos processo de ensino.

Questões simples, como a necessidade da Universidade ensinar (não é a universidade quem ensina, mas...) coisas efetivamente importantes à vida das pessoas que nelas aprendem - e, acredito, todos apendem quando circulam pela Universidade - são tratadas com extrema dificuldade, provavelmente em função de toda a tradição universitária consolidada ao longo de séculos.
Talvez por ser minha praia, vejo esta situação de forma ainda mais problemática quando lidamos com licenciaturas: muitas vezes a forma tradicional com que nós, professores, aprendemos é a forma como ensinamos os alunos que, em breve, estarão ensinando nas escolas de educação básica. E chegando neste nível, na educação básica, a diferença entre a tradição cristalizada e conteudista e a realidade vivida pelos estudantes se torna uma barreira muitas vezes impeditiva de se estabelecer a própria comunicação. É isso que vivi quando eu lecionava para o Ensino Médio, e também o que tenho ouvido nos relatos de muitos professores da educação básica: parece que o que os professores falam, não é entendido pelos alunos. Parece não, é!
Mas, por outro lado, não se pode negar o considerável acesso à informação de que dispõem os jovens de hoje. Internet, rádios e televisões, mídia impressa, publicidades diversas etc., etc., etc. Talvez (e isso é uma hipótese) o problema da educação não esteja tão centrado no despreparo dos estudantes, tal como eu tenho ouvido repetidamente ao longo dos últimos anos, mas numa falta de sintonia entre "ensinantes" e estudantes. Numa palavra, talvez falte romper os limites da tradição para ouvir o que o outro tem a dizer.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Desigualdade social

Reproduzo abaixo matéria publicada hoje no Diário On Line, do jornal Diário do Grande ABC. De volta à velha reflexão sobre desigualdade social e injustiça racial no Brasil...

10% mais ricos gastam dez vezes mais que os 40% mais pobres
Do Diário OnLine
Um estudo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgado nesta quarta-feira apontou que 10% das famílias com mais rendimentos do país (igual ou maior que R$ 3.875,78) gastam dez vezes mais que os 40% mais pobres (rendimentos de até R$ 758,25). Em 2003, as famílias mais pobres tinham despesa per capita de aproximadamente R$ 180, ao passo que as mais ricas apresentavam despesa per capita de cerca de R$ 1,8 mil. De acordo com a pesquisa, o setor de habitação respondeu por 35,5% do gasto total das 48,5 milhões de famílias estimadas na POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003), seguido por alimentação (20,75%), transporte (18,44%), assistência à saúde (6,49%) e educação (4,08%). Diferenças - A despesa média mensal das famílias onde a pessoa de referência era branca foi de R$ 2.262,24, 25% superior à média nacional (R$ 1.794,32). Naquelas onde o chefe era negro, de R$ 1.245,09, e pardo de R$ 1.232,62. Do ponto de vista da religião, o maior rendimento médio mensal foi encontrado em famílias com pessoa de referência espírita (R$ 3.796), e o menor em evangélicos pentecostais (R$ 1.271). Entre católicos apostólicos romanos, o rendimento correspondia a R$ 1.790,56.Pela escolaridade, famílias onde os responsáveis tinham 11 ou mais anos de estudo tinham renda mais elevada (R$ 3.796), enquanto que, naquelas com menos de um ano de instrução, ela foi aproximadamente cinco vezes menor (R$ 752). As famílias das áreas urbanas gastaram mais do que as rurais, o que ocorreu para todas as características investigadas.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Notícias desta América

Estes são os últimos dias para inscrição no curso de pós-graduação/especialização em Filosofia, Educação e Pensamento Social na América Latina. O curso é coordenador pelos professores Suze de Oliveira Piza e Oswaldo de Oliveira Santos Jr., que têm amplos conhecimentos no campo do pensamento latino-americano. Para conhecer mais detalhes do curso e se inscrever, clique aqui.

domingo, 26 de agosto de 2007

Filosofia e educação

Sábado passado ministrei um curso com o tema Ética e disciplina na sala de aulas, voltado especialmente para professores e professoras da rede pública de ensino. Foi a segunda vez em que repeti uma mesma estratégia: comecei o curso apresentando a visão de Kant sobre a disciplina necessária ao processo educativo, pautando-me em seu livro Sobre a pedagogia.
O modelo proposto por Kant supõe uma educação centrada na disciplina como elemento fundamental: se não houver disciplina, não há possibilidade de educação.
Ao expor as idéias kantianas sobre o assunto, perfeitamente adequadas ao seu tempo histórico, pude constatar uma vez mais que a escola atual ainda se pauta nos valores iluministas dos mil-e-setecentos. É incrível observar como ainda predomina na instituição escolar um modelo que prima pela imposição da disciplina como forma de controle.
Isso me faz lembrar uma piada muito contada nos meios filosóficos: dizem que um sujeito que vivia na Idade Média, certa vez, deparou-se com uma máquina do tempo e a utilizou para vir aos nossos dias, em pleno Século XXI. Contam que o sujeito ficou aterrorizado ao ver o trânsito e os imensos prédios, e correu para uma igreja; lá, encontrou uma celebração carismática (coisa que levaria alguém à fogueira na era medieval!) e correu desesperadamente, buscando encontrar algo que não lhe parecesse absurdo. Então entrou numa escola e pensou: "finalmente, algo que não mudou"...
Não há como deixar de pensar na permanência da instituição escolar, inclusive a universitária, ao longo dos séculos. A disposição dos prédios, das salas, das carteiras... tudo contrário ao bem-estar dos indivíduos que a freqüentam. E se o ambiente é desagradável, só resta a disciplina impositiva como forma de controle... mas finalmente os alunos já não se dobram a ela. Sinal dos tempos?!

sábado, 25 de agosto de 2007

Brasília

Para pulicar a postagem abaixo, procurei algumas imagens de Brasília, nossa capital. Não pude deixar de lembrar do grande Oscar Niemeyer, o maior arquiteto de que já ouvi falar e em cuja obra já vivi(não só Brasília, mas o MASP com seu vão livre, por exemplo, ou ainda o Ibirapuera...).
Lembro-me de ter ouvido uma declaração dele, certa vez, de que no mundo só sobraram 2 "comunistas de verdade": o próprio Niemeyer e Fidel Castro. Ainda que discordando, há que se considerar algo de justo em sua afirmação.
Imagino a tristeza de um homem que projetou a capital do País para o governo de JK, viu-a ser ocupada pelos militares quando da deposição de Jango e durante o golpe. E agora a vê tomada pelos nossos poderes tradicionalmente corrompidos.
Junto a esta tristeza, imagino a esperança que tem de ver eguer-se da justiça a clava forte, que venha corresponder à altura da obra de um dos maiores artistas vivos do nosso país.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Ouvi dizer

Ouvi dizer que 14 advogados dos mensaleiros afirmaram que seus clientes eram inocentes.
Ouvi dizer que o suplente de senador, que assumiu no lugar do senador corrupto, não fez nada de errado, apesar de intermediar a negociação ilícita que levou o titular do cargo à renúncia.
Ouvi dizer, ainda, que o presidente do Senado não recebeu dinheiro por fora, para facilitar a vida de algumas empreiteras. Aliás, foi o presidente do senado que deu o voto decisivo para inocentar o suplente de senador já citado.
Ora, eu ouvi dizer que o próprio presidente da Comissão de Ética do Senado tinha em sua história algumas contas pagas de forma mal contada.
Mas isso não deve ser assim tão importante, se é verdade que eu ouvi dizer que o finado ACM era o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
E eu ainda ouvi dizer que, depois que ele morreu, o próprio filho assumiu a vaga deixada pelo pai.
Por falar em senadores, quando eu ouvi dizer que o Paulo Coelho (calma, ele não é senador) foi eleito para a Academira Brasileira de Letras, eu fui ver quem eram os acadêmicos. E não é que lá estavam políticos influentes, como o Ex-Presidente da República e do Senado, José Sarney; e como o Ex-Vice-Presidente da República, Marco Maciel. O Coelho, pelo menos, não levanta lebre...
Eu não ouvi dizer nada sobre as importantes obras escritas pelos senadores-acadêmicos, que os levaram à Academia. Pelo menos, não ouvi nada sobre obras que eles mesmos tenham escrito, e não seus gostwriters.
Ouvi dizer que entre os cinco deputados federais mais votados no Estado de SP, nas últimas eleições, figuravam políticos reconhecidos por sua explícita corrupção, homens que ficaram famosos porque tiveram carreiras artísticas (e não políticas) e até um, também falecido, que ficou famoso apenas por repetir seu nome insistentemente.
Poxa, eu ouvi dizer tanta coisa...

E depois dizem por ai que a Filosofia é que "viaja" nas idéias, versando sobre coisas que não condizem com o nosso mundo...

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Sobre Nietzsche

A Folha On Line, versão digital do jornal Folha de S. Paulo, remodelou sua página e, no novo lay-out, disponibilizou novamente alguns artigos antigos. Na edição de ontem foi (re)disponibilizado o capítulo introdutório do livro "Nietzsche", de Oswaldo Giacóia Jr., publicado pela Publifolha.
Interessados podem acessar o texto - clique aqui.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Notícias desta América

Depois de um feriado prolongado (só pra quem trabalha em São Bernardo do Campo) volto a postar no blog.
A Filosofia Latino-americana é ainda pouco aceita nos meios filosóficos. Talvez, em boa parte, devido à postura mais teórica e menos práxica (falei disso em uma postagem anterior, sobre Marx): se os filósofos da nossa América se ocupassem de fazer filosofia de forma mais conectada com o mundo que vivem, se preocupariam um pouco mais com a realidade que os circunda...
Mas a produção filosófica estreitamente conectada com a realidade sub-desenvolvida (ou "em desenvolvimento - ?)já possui significativa produção, e tem atualmente como principal expoente o filósofo Enrique Dussel.
Para nossa sorte, a obra de Dussel pode ser acessada on-line, no site do Instituto de Filosofia da Libertação - IFiL.
Para conhecer o site do IFiL, clique aqui.
Para acessar a obra de Enrique Dussel, clique aqui.
Boa leitura!

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

As teses e a prática

O conjunto das teses de Marx (postagem abaixo) parecem apontar para alguns poucos caminhos comuns, dentre os quais a dimensão prática da Filosofia. Trata-se de uma crítica à filosofia de gabinete, fechada sobre a escrivaninha do seu autor ou restrita às bibliotecas e aos círculos acadêmicos.
Lembro-me que Descartes também criticava essa filosofia distante da realidade, solta do mundo existente, desenraizada. No Discurso do Método ele não poupava críticas aos filósofos do seu tempo, que produziam filosofias distantes da realidade vivida. Mas o próprio Descartes, para escrever seus discursos e meditações, tracava-se isolado num quarto onde ninguém poderia incomodá-lo...
Isso faz pensar que, em se tratando de Filosofia, até mesmo o conceito de uma "filosofia prática" precisa ser esclarecido. A prática de Descartes, parece, era bem diferente da prática de Marx.
No mundo da filosofia há uma brincadeira sobre os diferentes grupos de estudiosos de Marx - grupos que têm interpretações diferentes, e ficam se degladiando (não na prática, apenas em teoria): diz-se que existem marxistas, marxianos e marxólogos. Eu não vou entrar no mérito de quem é quem nessa história. Mas não sei se muitos destes estudiosos, seja de qual grupo for, seguem de fato a dimensão prática presente em Marx - lembremos que ele foi militante político, atuando como dirigente comunista. A maioria dos marxistas-anos-ólogos que temos notícias se detém no estudo teórico. Talvez como cartesianos estudiosos da teoria emanada de Marx.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Teses de Marx sobre Feuerbach

Um dos textos certamente mais referidos nos diálogos e escritos filosóficos é justamente composto por estas breves teses de Marx sobre Feuerbach. No geral, cita-se a última das teses, mais difundida, o que me faz pensar se as demais também foram lidas pelos 'citadores'.
Dada a brevidade e importância do texto, aproveito a oportunidade para transcrevê-las aqui no blog:

TESES SOBRE FEUERBACH
Karl Marx

I - O defeito fundamental de todo materialismo anterior - inclusive o de Feuerbach - está em que só concebe o objeto, a realidade, o ato sensorial, sob a forma do objeto ou da percepção, mas não como atividade sensorial humana, como prática, não de modo subjetivo. Daí decorre que o lado ativo fosse desenvolvido pelo idealismo, em posição ao materialismo, mas apenas de modo abstrato, já que o idealismo, naturalmente, não conhece a atividade real, sensorial, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis, realmente diferentes dos objetos de pensamento; mas tampouco concebe a atividade humana como uma atividade objetiva. Por isso, em A Essência do Cristianismo, só considera como autenticamente humana a atividade teórica, enquanto a prática somente é concebida e fixada em sua manifestação judia grosseira. Portanto, não compreende a importância da atuação "revolucionária", prático-crítica.

II - O problema de se ao pensamento humano corresponde uma verdade objetiva não é um problema da teoria, e sim um pro blema prático. É na prática que o homem tem que demonstrar a verdade, isto é, a realidade, e a força, o caráter terreno de seu pensamento. O debate sobre a realidade ou a irrealidade de um pensamento isolado da prática é um problema puramente escolástico.

III - A teoria materialista de que os homens são produto das circunstâncias e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto de circunstâncias diferentes e de educação modificada esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade (como, por exemplo, em Robert Owen). A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora.

IV - Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, do desdobramento do mundo em um mundo religioso, imaginário, e outro real. Sua tarefa consiste em decompor o mundo religioso em sua base terrena. Não vê que, uma vez realizado esse trabalho, o principal continua por fazer. Na realidade, o fato de que a base terrena se separe de si mesma e fixe nas nuvens um reino independente só pode ser explicado através da dilaceração interna e da contradição desse fundamento terreno consigo mesmo. Este último deve, portanto, primeiro ser compreendido em sua contradição e em seguida revolucionado praticamente mediante a eliminação da contradição. Por conseguinte, depois de descobrir, por exemplo na família terrena o segredo da sagrada família, é preciso criticar teoricamente aquela e transformá-la praticamente.

V - Não satisfeito com o pensamento abstrato, Feuerbach recorre à percepção sensível. Não concebe, porém, a sensibilidade como uma atividade prática, humano-sensível.

VI - Feuerbach dilui a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é algo abstrato, interior a cada indivíduo isolado. É, em sua realidade, o conjunto das relações sociais. Feuerbach, que não emprende a critica dessa essência real, vê-se, portanto, obrigado 1- a fazer caso omisso da trajetória histórica, fixar o sentimento religioso em si mesmo e pressupor um indivíduo humano abstrato, isolado; 2 - nele, a essência humana só pode ser concebida como "espécie", como generalidade interna, muda, que se limita a unir naturalmente os muitos indivíduos.

VII - Feuerbach não vê, portanto, que o "sentimento religioso" é, também, um produto social e que o indivíduo abstrato que ele analisa pertence, na realidade, a uma forma determinada de sociedade.

VIII - A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que desviam a teoria para o misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão desta prática.

IX - O máximo a que chega o materialismo perceptivo, isto é, o materialismo que não concebe a sensibilidade como uma atividade prática, é a percepção dos diferentes indivíduos isolados da "sociedade civil".

X - O ponto-de-vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o do novo materialismo, a sociedade humana ou a humanidade socializada.

XI - Os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma diferente; trata-se porém de modificá-lo.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Pra que(m) serve a Filosofia?

Motivado pela postagem abaixo, da Larissa, me coloquei a pensar em outro aspecto da mesma questão: pra quem serve a Filosofia. Ou mais precisamente, pra quem ela não serve, é prejudicial, um algo a ser eliminado.É fato que a Filosofia se caracteriza pela postura de estranhamento do cotidiano: o "espantar-se" diante de um fato qualquer marca o início de uma reflexão mais aprofundada, diferente daquela reflexão superficial de quem olha sem espanto para um objeto rotineiro.Eu, pessoalmente, não compartilho com a idéias de alguns colegas de profissão, que entendem que apenas os iniciados na filosofia são capazes de pensar ou refletir. Acredito que haja uma postura reflexiva mesmo no mais manipulado dos sensos comuns - se não a houvesse, não haveria também a possibilidade de manipulação.O fato é que a Filosofia chama por uma postura mais aprofundada de reflexão crítica, a qual não interessa àqueles e àquelas que ganham com as incoerências de um sistema político-econômico. Frente a uma população crítica, não existiria tanto espaço para ganhos lícitos e ilícitos que nos espantam (uso o termo "espantam" filosoficamente falando. Eu me espantei ao ver o lucro divulgado pelos grandes bancos, a corrupção sentada na cadeira da presidência do Senado Federal e também ao ver o valor do salário mínimo!).Da primeira pergunta - a quem não interessa a filosofia - surge uma outra: e eu, estou de que lado nesse jogo de interesses... ?

[Reproduzo aqui a postagem da minha amiga Larissa, publicada no blog do NEFIC]
Terça-feira, 7 de Agosto de 2007
Pra que serve a Filosofia?

Hoje me perguntaram: pra que serve a filosofia? E até para quem convive com ela essa pergunta é difícil...Tive que recorrer a dois filósofos muito especiais. Lembrei de um de nossos encontros em que, tentando responder a essa pergunta, o professor Daniel disse que a Filosofia não serve a ninguém, o que mostra sua primeira faceta: a liberdade. Se a Filosofia não servir para nada, ao menos ela nos torna mais livres. E para completar a explicação, lembrei do professor Marcos dizendo que qualquer um ficaria ofendido se lhe fosse perguntado: para que serve sua mãe? Ora, sua me não tem serventia, sua mãe tem valor. Com a Filosofia também é assim... Mas valor é algo subjetivo, particular. O que me leva a concluir que a Filosofia não serve mesmo para muita coisa, a menos que você já tenha sentido através dela o sabor da liberdade... depois disso, ela não precisa mais ter utilidade pois passa a ser valiosa.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Um pouco de diversão

Pra quem acha que filosofia é coisa demasiado séria, vai um pouco de brincadeira.
Porque ninguém é de ferro. Ou é?
http://www.youtube.com/watch?v=moWZm66J_yM

sábado, 11 de agosto de 2007

Notícias desta América

Desde meados do meu curso de graduação, venho estudando ininterruptamente a Filosofia Latino-americana. Este é, ainda hoje, meu tema de pesquisa no doutorado.


O assunto não é muito bem quisto nos exigentes círculos filosóficos (pergunto: você é capaz de citar o nome de 5 filósofos latino-americanos e suas principais obras?). São raras as oportunidades de ver este assunto em pauta na Academia. Por isso, fico muito feliz em utilizar este Blog para ajudar a divulgar 2 cursos de pós-graduação sobre o pensamento latino-americano.


O primeiro é o curso de especialização em "Filosofia, Educação e Pensamento Social na América Latina", oferecido pela Universidade Metodista de São Paulo, sob coordenação dos professores Oswaldo de Oliveira Santos Jr. e Suze de Oliveira Piza. Eu estou escalado para o corpo docente deste curso. Clique aqui para informações.


O outro é oferecido pelo IFiL - Instituto de Filosofia da Libertação, de Curitiba/PR. Trata-se do curso de especialização "O Pensamento Filosófico Latino-americano". Clique aqui para mais informações.


São raras oportunidades como esta, em que se vê dois bons cursos sobre este tema sendo oferecidos à comunidade acadêmica. Fica um fundo de esperança, de que novos ares circulem em meio ao nosso europeizado mundo dos filósofos.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

O lucro

Já que eu entrei na onda dos quadrinhos,
Não dá pra deixar de se espantar com mais essa.



O problema é que, com tanto espanto, a filosofia pode virar banalidade. Resta buscar a 'causa inicial' dos espantos.

[Esta charge foi publicada no jornal Correio Popular]

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Espanto

É sabido que desde os filósofos clássicos se entende que a postura filosófica começa com o espanto, ou com a admiração. A atitude de espantar-se diante de algo, sobretudo se este algo for objeto pelo qual normalmente se 'passa batido', é o princípio da possibilidade uma reflexão que poderá se tornar filosófica. Espantar-se diante do cotidiano, admirá-lo, é oportunidade de refletir sobre o não-refletido.

Esta semana, numa aula de Filosofia, usei um exemplo prático para exemplificar esta atitude de 'refletir sobre o não-refletido' - e este exemplo ficou na minha cabeça desde então. Não que seja algo extraordinário, na verdade é bastante óbvio, mas muito significativo. Na ocasião, eu disse que me espanta perceber como é comum encontrar em nossa televisão programas do porte do Domingão do Faustão, que estão no ar há mais de uma (talvez duas) décadas...


Nesta série de tirinhas, publicada pelo Caco na Folha de S. Paulo, o Chico Bacon teve o cérebro engolido pelo zumbi (ou algo do tipo). Em uma das tirinhas anteriores, o tal papa-cérebros recusou degustar uma cabeça pelo fato do seu dono ser especialista em filosofia fenomenológica - alegou que causava indigestão!?!
Mas para a TV, parece, não se precisa de cérebro. E o pior é que não há muita gente que se espante com isso...

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Livros

A Editora Expressão Popular lançou recentemente dois excelentes livros em sua coleção Clássicos. O primeiro é Filosofia da Práxis, de Adolfo Sánchez Vásquez; o outro, 20 Teses de Política, de Enrique Dussel.


Pessoalmente gosto de ambos os autores, especialmente pelo caráter militante de sua filosofia - o que não implica, absolutamente, em perda da qualidade filosófica.






terça-feira, 7 de agosto de 2007

Cultura e Cultura

Fazendo uma pesquisa sobre o conceito de "cultura", encontrei no Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano, a seguinte simples e evidente explanação:

"Esse termo tem dois significados básicos. No primeiro e mais antigo, significa a formação do homem, sua melhoria e seu refinamento [...]. No segundo significado, indica o produto dessa formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos"

É curioso como lidamos com estes ambos significados, mas em momentos diferentes. Usamos o sentido de cultura-formação quando dizemos que "fulano não tem cultura"... mas prioritariamente lidamos com a cultura-produto, seja ao falarmos das ações do "Ministério da Cultura", seja da "Difusão Cultural" etc. etc. etc.

Parece que prioritariamente lidamos com o segundo sentido; fruto dos valores capitalistas da sociedade, onde o produto vale mais que a formação do produtor...

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Marxistas de plantão

Para quem não conhece, vai a indicação: http://www.marxists.org/portugues/index.htm. É um site que disponibiliza on line diversas obras de Marx e de autores marxistas. Este link conduz diretamente à página das obras em português, mas há muito mais em outros idiomas...

(postagem também publicada no blog do NEFIC: http://www.filoedunefic.blogspot.com/)

Uma filosofia cotidiana

Olá..
Criei este Blog como um espaço "alternativo" para expressar algumas idéias. Ao preparar minhas aulas de Filosofia, ou ao ministrá-las, uma série de idéias deixam de ser exploradas - seja porque não "cabem" em aulas formais, porque não interessariam ao conjunto da sala ou simplesmente porque o assunto não está em pauta no momento...
Pretendo deixar aqui um certo olhar filosófico sobre o cotidiano, e espero que você goste.
Um abraço, e até breve!