quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Teses de Marx sobre Feuerbach

Um dos textos certamente mais referidos nos diálogos e escritos filosóficos é justamente composto por estas breves teses de Marx sobre Feuerbach. No geral, cita-se a última das teses, mais difundida, o que me faz pensar se as demais também foram lidas pelos 'citadores'.
Dada a brevidade e importância do texto, aproveito a oportunidade para transcrevê-las aqui no blog:

TESES SOBRE FEUERBACH
Karl Marx

I - O defeito fundamental de todo materialismo anterior - inclusive o de Feuerbach - está em que só concebe o objeto, a realidade, o ato sensorial, sob a forma do objeto ou da percepção, mas não como atividade sensorial humana, como prática, não de modo subjetivo. Daí decorre que o lado ativo fosse desenvolvido pelo idealismo, em posição ao materialismo, mas apenas de modo abstrato, já que o idealismo, naturalmente, não conhece a atividade real, sensorial, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis, realmente diferentes dos objetos de pensamento; mas tampouco concebe a atividade humana como uma atividade objetiva. Por isso, em A Essência do Cristianismo, só considera como autenticamente humana a atividade teórica, enquanto a prática somente é concebida e fixada em sua manifestação judia grosseira. Portanto, não compreende a importância da atuação "revolucionária", prático-crítica.

II - O problema de se ao pensamento humano corresponde uma verdade objetiva não é um problema da teoria, e sim um pro blema prático. É na prática que o homem tem que demonstrar a verdade, isto é, a realidade, e a força, o caráter terreno de seu pensamento. O debate sobre a realidade ou a irrealidade de um pensamento isolado da prática é um problema puramente escolástico.

III - A teoria materialista de que os homens são produto das circunstâncias e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto de circunstâncias diferentes e de educação modificada esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade (como, por exemplo, em Robert Owen). A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora.

IV - Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, do desdobramento do mundo em um mundo religioso, imaginário, e outro real. Sua tarefa consiste em decompor o mundo religioso em sua base terrena. Não vê que, uma vez realizado esse trabalho, o principal continua por fazer. Na realidade, o fato de que a base terrena se separe de si mesma e fixe nas nuvens um reino independente só pode ser explicado através da dilaceração interna e da contradição desse fundamento terreno consigo mesmo. Este último deve, portanto, primeiro ser compreendido em sua contradição e em seguida revolucionado praticamente mediante a eliminação da contradição. Por conseguinte, depois de descobrir, por exemplo na família terrena o segredo da sagrada família, é preciso criticar teoricamente aquela e transformá-la praticamente.

V - Não satisfeito com o pensamento abstrato, Feuerbach recorre à percepção sensível. Não concebe, porém, a sensibilidade como uma atividade prática, humano-sensível.

VI - Feuerbach dilui a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é algo abstrato, interior a cada indivíduo isolado. É, em sua realidade, o conjunto das relações sociais. Feuerbach, que não emprende a critica dessa essência real, vê-se, portanto, obrigado 1- a fazer caso omisso da trajetória histórica, fixar o sentimento religioso em si mesmo e pressupor um indivíduo humano abstrato, isolado; 2 - nele, a essência humana só pode ser concebida como "espécie", como generalidade interna, muda, que se limita a unir naturalmente os muitos indivíduos.

VII - Feuerbach não vê, portanto, que o "sentimento religioso" é, também, um produto social e que o indivíduo abstrato que ele analisa pertence, na realidade, a uma forma determinada de sociedade.

VIII - A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que desviam a teoria para o misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão desta prática.

IX - O máximo a que chega o materialismo perceptivo, isto é, o materialismo que não concebe a sensibilidade como uma atividade prática, é a percepção dos diferentes indivíduos isolados da "sociedade civil".

X - O ponto-de-vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o do novo materialismo, a sociedade humana ou a humanidade socializada.

XI - Os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma diferente; trata-se porém de modificá-lo.