sábado, 26 de março de 2011

Tardes Filosóficas

Está disponível a programação das Tardes Filosóficas, programa desenvolvido pela Casa da Palavra, de Santo André, juntamente com o Curso de Filosofia da UMESP e com o Bacharelado em Ciências e Humanidades da UFABC.
São palestras sobre temas filosóficos diversos, em linguagem acessível, voltada ao público em geral. A programação completa está disponível no blog da Casa da Palavra (clique para acessar)

sexta-feira, 25 de março de 2011

A história se repete

No início do ano, por ocasião dos desabamentos de terra no Rio de Janeiro, publiquei no Blog uma postagem (veja aqui) questionando os interesses políticos que impediam a solução dos problemas recorrentes, chamados por "desastres naturais". Na ocasião, baseava-me em um intelectual estadunidense e em um texto do Elio Gaspari para dizer que nada havia de natural no descaso do poder público.
Dizia Marx que a história se repete. E, para repetir-se, é preciso que se reelabore. Pois bem, estão em plena elaboração os "desastres naturais" do próximo verão em São Paulo.
Veja aqui reportagem publicada hoje pelo UOL, em que o Governo do Estado de São Paulo assume que deixou de fazer, por 3 anos, a manutenção do desassoreamento do rio Tietê. Em especial, veja o trecho em que o Departamento de Águas e Energia Elétrica informa que não divulgará à imprensa o resultado das pesquisas que faziam no rio, durante o período de suspensão da limpeza, para verificar se tal suspensão estava ou não prejudicando a vazão das águas - e ocasionando enchentes.
Como o DAEE não vai tornar públicos os resultados das pesquisas - feitas com dinheiro público, diga-se - veja aqui a opinião de especialistas consultados sobre o asssunto.
Assim, podemos nos preparar. Os próximos desastres "naturais" já estão devidamente programados.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Arendt, hoje

Em um de seus trechos que mais aprecio, escreve Hannah Arendt, em 1958:

A Terra é a própria quintessência da condição humana e, ao que sabemos, sua natureza pode ser singular no universo, a única capaz de oferecer aos seres humanos um habitat no qual eles podem mover-se e respirar sem esforço nem artifício. O mundo - artifício humano - separa a existência do homem de todo ambiente meramente animal; mas a vida, em si, permanece fora desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece ligado a todos os outros organismos vivos. Recentemente, a ciência vem-se esforçando por tornar "artificial" a própria vida, por cortar o último laço que faz do próprio homem um filho da natureza. O mesmo desejo de fugir da prisão terrena manifesta-se na tentativa de criar a vida numa proveta, no desejo de misturar, "sob o microscópio, o plasma seminal congelado de pessoas comprovadamente capazes a fim de produzir seres humanos superiores" e "alterar(-lhes) o tamanho, a forma e a função"; e talvez o desejo de fugir à condição humana esteja presente na esperança de prolongar a duração da vida humana para além do limite dos cem anos.
Este homem futuro, que segundo os cientistas será produzido em menos de um século, parece motivado por uma rebelião contra a existência humana talcomo nos foi dada - um dom gratuito vindo do nada (secularmente falando), que ele deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo. Não há razão para duvidar de que sejamos capazes de realizar essa troca, tal como não há motivo para duvidar de nossa atual capacidade de destruir toda a vida orgânica da Terra. A questão é apenas se desejamos usar nessa direção nosso novo conhecimento científico e técnico - e esta questão não pode ser resolvida por meios científicos: é uma questão política de primeira grandeza, e portanto não deve ser decidida por cientistas profissionais nem por políticos profissionais.


Em uma notícia publicada no caderno Folha Ciência, da Folha de S. Paulo, hoje:
Japoneses criam espermatozoides em laboratório

Grupo de cientistas é o primeiro a cultivar as células masculinas em laboratório desde os estágios iniciais

Avanço aconteceu com camundongos, levando à criação de animal saudável; ideia é tratar humanos inférteis


GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO

Cientistas do mundo inteiro tentavam há quase um século, mas só agora um grupo conseguiu: pela primeira vez na história foi possível criar espermatozoides de um mamífero em laboratório.
A experiência foi feita com camundongos, mas o objetivo é adaptar a técnica para resolver problemas de fertilidade em seres humanos.
Os espermatozoides, criados por pesquisadores japoneses da Universidade da Cidade de Yokohama, conseguiram dar origem -por meio de fertilização in vitro- a descendentes, machos e fêmeas, saudáveis e férteis.
Isso aconteceu até quando as células colhidas haviam passado algum tempo congeladas. É um fator que tradicionalmente atrapalha o sucesso da fertilização.
Para chegar ao resultado, os cientistas retiraram, por meio de uma biópsia, células dos testículos de camundongos recém-nascidos, com dois ou três dias de vida.
Esse material tinha apenas gonócitos e espermatogônias, estágios primitivos do complexo processo de formação dos espermatozoides.
Os cientistas tentaram fornecer quase todos os componentes da formação natural das células. Para que elas se desenvolvessem totalmente, eles adicionaram KSR, produto muito usado em culturas de células-tronco.
Após cerca de um mês, eles confirmaram a produção dos espermatozoides. As culturas continuaram produzindo essas células durante cerca de dois meses.

terça-feira, 22 de março de 2011

Filosofia da Ciência - Textos

O Prof. Dr. Valter Alnis Bezerra, da UFABC, reuniu e traduziu ao longo de anos uma série de riquíssimos textos acerca da Filosofia e da História da Ciência. Agora ele os disponibilizou gratuitamente, para fins educacionais. Sem dúvidas é um material que merece ser calmamente apreciado.

O site do prof. Valter está disponível em http://sites.google.com/site/filosofiadacienciaufabc.

O link direto para a antologia de textos é http://sites.google.com/site/filosofiadacienciaufabc/antologia.

sábado, 19 de março de 2011

Filosofia brasileira - evento

Reproduzo abaixo cartaz de divulgação da reunião especial de estudos do Grupo de Pesquisas "Perspectivas Críticas da Filosofia Moderna e Contemporânea". Na ocasião em que estudaremos a obra Filosofia Brasileira: Ontogênese da consciência de si (Ed. Vozes, 2002), contaremos com a presença do autor, o Prof. Dr. Luiz Alberto Cerqueira, da UFRJ.
A atividade é gratuita, não requer inscrições prévias e é aberta a todos os interessados.


quarta-feira, 16 de março de 2011

Princípio do movimento

ou filosofar como tormenta.

O princípio do movimento é um elemento que ocupou, se não ocupa, lugar destacado nas diversas culturas que tive até hoje oportunidade de estudar. Antes dos elementos essenciais, entendidos química ou metafisicamente, o movimento foi preciso. Um verbo, um sopro, uma junção improvável de moléculas – tanto faz. O movimento foi necessário para que o início assim se configurasse.

Diversas lendas africanas tratam de formas distintas este princípio. Em uma espécie de síntese de parte destas, Pierre Verger, o Fatumbi, fala em uma certa divindade “de múltiplos e contraditórios aspectos [...], pois é dinâmico e jovial”. Como característica explícita do movimento que lhe era inerente, relata que esta figura divina “veio ao mundo com um porrete, chamado ogò, que teria a propriedade de transportá-lo, em algumas horas, a centenas e quilômetros e de atrair, por um poder magnético, objetos situados a distâncias igualmente grandes”. Algumas das versões encontradas atribuem a esse deus a origem do movimento do mundo: teriam sido necessários dois deuses para que o mundo existisse – um que o teria criado, tão imprescindível quanto o outro, que o teria posto em movimento.

Devedores diretos e indiretos dos conhecimentos africanos, os primeiros pensadores gregos reservaram ao princípio do movimento especial importância em suas construções. Relata Sêneca que o próprio Tales, arbitrariamente chamado de primeiro filósofo, identificava que a terra se movia sobre a água; que a água também se movia, sendo ela, a água, o princípio de todas as coisas. Mas foi em Éfeso, com Heráclito, que o princípio do movimento ganhou a primeira formulação consagrada na tradição filosófica. Sua afirmação mais difundida é sobre o fluir incessante das coisas, simbolizadas pelo rio: “Descemos e não descemos nos mesmos rios; somos e não somos”. O desdobramento, muitas vezes se omite: “Tudo se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais bela harmonia”; “Correlações: completo e incompleto, concorde e discorde, harmonia e desarmonia, e de todas as coisas um, e de um, todas as coisas”. Daí que “Em nós manifesta-se sempre uma e a mesma coisa: vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice. Pois a mudança de um dá o outro e reciprocamente”.

A contradição não é vista como diverso do um, mas como parte de uma espécie de todo. Talvez Horkheimer e Adorno tenham caminhado sobremaneira próximos a este entendimento quando concluem que a arte, como expressão não filosófica, era necessária para que a filosofia se fizesse plena tanto em suas competentes formulações quanto em sua decência ética – em ambas as qualidades, não apenas na primeira. E que a desqualificação da arte que presenciavam no século passado, ocasionada pela cooptação do fazer artístico pela indústria cultural, fazia desqualificar a própria filosofia. Não havia sua contradição, sua expressão de negação.

Não tive, ainda, oportunidade de conhecer mais profundamente a obra de François Laruelle, com quem estudou Danilo Di Manno. Naquilo que li, dois livros e um pequeno punhado de textos soltos, penso que pude identificar uma espécie de correlação parcial entre sua percepção – de Laruelle – e a dos autores de Frankfurt. A tarefa proposta por Laruelle é a do movimento como tormenta filosófica. Ou uma espécie de filosofar atormentado(r). A necessidade de desestabilizar o estável o justifica. À filosofia, é preciso algo que se imponha, para que ela continue sendo, e não venha a ter sido. Não há filosofia sem filosofar, e não há filosofar sem movimento. A tormenta, ou o tormento, põe-na em movimento.

A proposta do filosofar como tormenta não tem no movimento da não-filosofia uma expressão única, mas singular. E, parece, não há no conjunto da Bibliothèque de non-philosophie obra mais atormentadora que Pour une imagination non-européene. Não suficientemente satisfeito em contribuir com a filosofia por meio da árdua tarefa de lhe fazer oposição, caminhar na contramão, ser contrário para manter o um, Danilo Di Manno aparece como brilhante radical no próprio contexto do contraditório. Para além de fazer não-filosofia, dedica-se ao estudo da imaginação, em lugar da razão – filosófica desde sempre. Para além de estudar a imaginação, propõe-se a abordá-la de forma não-europeia, pensando, portanto, desde um território originário não-filosófico segundo a tradição que precisava, como tarefa, ser contestada, atormentada. Com ele, a figura do Estrangeiro, que permeia textos da não-filosofia, ganha radicalidade. E a figura do Ecônomo entra em cena, na construção das metáforas – tão comuns – que só por um terceiro-mundano poderiam ser elaboradas com tamanha estrangeiridade, beirando um non-rapport.

Este princípio assumido pelo nosso filósofo, parece, manifestou-se de formas muitas em seus textos posteriores e em suas comunicações dos últimos anos. Lá sempre estava o Estrangeiro, capaz de desnudar o Ecônomo, seja como personagem manifesto, seja como autor das ideias que se expressavam. Também manifestou-se este princípio na forma como se fez presente o filósofo na Universidade: desestabilizando a instituição demasiado instituída, em nome dos seus próprios valores instituintes. Talvez concordasse com Heráclito, interpretando-o neste sentido, ao ler que “A guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei”. Rompe com a estabilidade. Põe em movimento.

Era o movimento constante em busca de gerar sempre a maior tormenta impossível, visando pôr em giro o que estivesse parado, ou desestabilizar o que já se estivesse movendo em calmaria.

Em acordo com sua obra, sua morte foi rápida, surpreendente, provocativa. Inesperada.



Daniel Pansarelli
em memória do primeiro mestre.