sábado, 25 de julho de 2009

A exceção e a regra

Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso.
Mas não se esqueçam
de que o abuso é sempre a regra.


(poesia de Bertolt Brecht)



Conheça mais clicando aqui.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

O cara do Obama

Reproduzo abaixo artigo escrito por Ivan Pinheiro, secretário geral do Partido Comunista Brasileiro - PCB. É o tipo de coisa que já não causa espanto...

LULA DEFENDE SARNEY E ABRAÇA COLLOR:
Por Ivan Pinheiro

O vale tudo para a eleição de Dilma!

Não costumo me entusiasmar com campanhas contra a corrupção, quando personalizadas exclusivamente em algum corrupto específico. Passa sempre a ilusão de que, uma vez derrubado o personagem, a ética volta a imperar na política e nas instituições burguesas. A corrupção é sistêmica no capitalismo; é inerente a ele. A queda de um corrupto não acaba com ela.
Com a vitória do "Fora Renan", veio o "Fora Sarney". Também não adianta levantar o "Fora Senado", pois ainda restará a Câmara dos Deputados, aquela do "mensalão", presidida pelo indefectível Michel Temer, com aquele ar de mordomo de filme de terror.

A esquerda já devia ter aprendido que não pode fazer da luta contra a corrupção a sua bandeira principal, ainda mais dissociada da luta contra o capital. A não ser por oportunismo, para angariar votos na próxima eleição. Como ajudamos a despolitizar o "Fora Collor", deixando de denunciar seu governo como neoliberal! O seu impedimento resultou em Itamar Franco, que logo iniciou o processo de privatização e de flexibilização de direitos trabalhistas.

No caso do "Fora Sarney", entretanto, a campanha pode ter um bom resultado político e até mesmo ideológico, se conseguirmos associá-la à denúncia da farsa da democracia burguesa e do caráter corrupto do capitalismo. Ninguém melhor do que Sarney para simbolizar a corrupção, entendida em todos os seus variados tipos e aspectos; ele é a cara do Estado brasileiro.

Não tenho também ilusão de convencer lulistas que ainda se dizem "de esquerda" (hoje há também os de direita e de centro), depois de quase seis anos de um governo cujo eixo é o "espetáculo do crescimento", o destravamento do capitalismo, custe o que custar em questões sociais ou ambientais.

Podem anotar: a disputa em 2010 vai ser em torno de números macroeconômicos, ou seja, quem foi melhor para o capital: FHC ou Lula? Como foi a entrada de capital estrangeiro? E o ?Risco Brasil?? Quem gerou mais e piores empregos? Quem ajudou mais o capital?

Lula realmente é "o cara", um ex-sindicalista terceirizado pela burguesia. Ninguém com mais autoridade para iludir os trabalhadores. É hoje o principal garoto propaganda mundial do "capitalismo do bem"; é o contraponto ao socialismo e à luta de classes, o animador de todos os shows midiáticos das cúpulas internacionais. Distribui sorrisos e camisas da seleção brasileira; acha chique o Brasil emprestar ao FMI.

Suas viagens internacionais são fundamentalmente para criar "janelas de oportunidade" para as multinacionais de origem brasileira surfarem na crise e, de quebra, reforçar uma imagem que lhe capacite a ocupar importantes papéis no cenário mundial, nos quatro anos em que estará fora da Presidência. Quem sabe uma importante função no Banco Mundial ou na ONU?

Mas, com tudo isso, ainda causa desconforto ver a foto de Lula abraçado com Collor em Alagoas, fazendo "justiça" pública a este e a Renan, seus candidatos, naquele Estado, às eleições de 2010, o primeiro a Governador e o segundo a Senador!

Esta fotografia marca o início do mergulho ao fundo do poço. A partir de agora, não estranhemos mais nada. O governo Lula é, cada vez mais, refém da governabilidade institucional burguesa e da corrupção que lhe é inerente. Foi seqüestrado politicamente pelo PMDB e pelo que há de pior entre os caciques políticos brasileiros: Sarney, Renan, Collor, Jader Barbalho, Gedel Vieira Lima, Michel Temer.

Se necessário, Lula vai humilhar mais o PT. Chegou ao ponto de exigir que o partido defenda Sarney a qualquer custo e que não lance candidatos a governador, para entregar os Estados a oligarcas aliados. É capaz de pagar qualquer preço para o resgate do seqüestro: a eleição de Dilma como sucessora.

Mas é preciso ficar claro que essa obsessão não é ditada pela preocupação da continuidade de um projeto de governo. Lula sabe que com Dilma, Serra ou Aécio este projeto continua. É o projeto do Estado burguês brasileiro. O que pode mudar apenas são as boquinhas e o estilo.

Lula resolveu escolher como candidata um "poste político", sem densidade eleitoral, exatamente para que tenha que comer pela sua mão, de forma a garantir seus verdadeiros projetos: o domínio da máquina estatal, a não apuração de atos de seu governo, um protagonismo internacional e, sobretudo, a volta triunfal para mais oito anos, em 2014, para delírio dos lulistas de todos os matizes.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A mentira democrática

Estamos acompanhando o que a grande mídia divulga (portanto, não tudo...) sobre o recente golpe de estado em Honduras. Em síntese: um presidente eleito foi deposto, sobretudo, por tentar alterar a Constituição do país por meio de uma consulta popular, um plebiscito, dando-lhe oportunidade de voltar a concorrer à Presidência da República futuramente. Segundo a Constituição atual, um presidente não pode se candidatar à reeleição e nem tentar uma nova eleição em qualquer momento futuro.
"Síndrome de Hugo Chaves", assim eu chamaria o motivo do golpe, sob essa perspectiva. Explico: Chaves foi o primeiro presidente no passado recente da América Latina a levar publicamente adiante críticas ao caráter democrático do poder legislativo. Passou a levar questões mais relevantes diretamente à consulta popular, e não ao parlamento. Com isso, conseguiu, dentre outras coisas, ampliar seu mandato presidencial, aprovar a possibilidade de reeleições e conseguiu também mudar sensivelmente as regras que regem o poder legislativo venezuelano, tornando-o mais claro, simples e transparente. (Não vou discutir aqui a atual "crise bienal do senado brasileiro", que uma vez mais pede por medidas de inspiração chavista...).
A desgraça de seus opositores reside no fato de Chaves não ter desconsiderado os preceitos democráticos ao longo de todo esse processo: ele convocou plebiscitos para alterar a legislação, tal como a legislação pedia. Alterou. Pode, agora, legalmente, ficar por longos períodos a frente do comando da nação. Caberá ao povo decidir quanto, nos processos eleitorais que continuam sendo regulares. Ainda assim, é comum o esforço da mídia por torná-lo um aparente ditador... fiel às leis democráticas.
Depois, vimos Morales seguir por caminhos parecidos. O medo da democracia foi tão grande que a direita hondurenha deu um golpe de estado - para evitar os efeitos indesejáveis, ainda que democráticos. (isso me faz lembrar o "Ensaio sobre a Lucidez", de Saramago).
Mas não posso deixar de observar os "vários-pesos-e-várias-medidas" na política internacional. Porque não chamam de antidemocrático um Putin, russo, que à luz dos órgãos fiscalizadores internacionais fraudou todas as últimas eleições nacionais? Há quanto tempo ele está ininterruptamente no poder? E o que ele tem de diferente de Chaves ou de Morales, já que ele não é regularmente acusado de ditador ou de antidemocrático?