quarta-feira, 22 de julho de 2009

A mentira democrática

Estamos acompanhando o que a grande mídia divulga (portanto, não tudo...) sobre o recente golpe de estado em Honduras. Em síntese: um presidente eleito foi deposto, sobretudo, por tentar alterar a Constituição do país por meio de uma consulta popular, um plebiscito, dando-lhe oportunidade de voltar a concorrer à Presidência da República futuramente. Segundo a Constituição atual, um presidente não pode se candidatar à reeleição e nem tentar uma nova eleição em qualquer momento futuro.
"Síndrome de Hugo Chaves", assim eu chamaria o motivo do golpe, sob essa perspectiva. Explico: Chaves foi o primeiro presidente no passado recente da América Latina a levar publicamente adiante críticas ao caráter democrático do poder legislativo. Passou a levar questões mais relevantes diretamente à consulta popular, e não ao parlamento. Com isso, conseguiu, dentre outras coisas, ampliar seu mandato presidencial, aprovar a possibilidade de reeleições e conseguiu também mudar sensivelmente as regras que regem o poder legislativo venezuelano, tornando-o mais claro, simples e transparente. (Não vou discutir aqui a atual "crise bienal do senado brasileiro", que uma vez mais pede por medidas de inspiração chavista...).
A desgraça de seus opositores reside no fato de Chaves não ter desconsiderado os preceitos democráticos ao longo de todo esse processo: ele convocou plebiscitos para alterar a legislação, tal como a legislação pedia. Alterou. Pode, agora, legalmente, ficar por longos períodos a frente do comando da nação. Caberá ao povo decidir quanto, nos processos eleitorais que continuam sendo regulares. Ainda assim, é comum o esforço da mídia por torná-lo um aparente ditador... fiel às leis democráticas.
Depois, vimos Morales seguir por caminhos parecidos. O medo da democracia foi tão grande que a direita hondurenha deu um golpe de estado - para evitar os efeitos indesejáveis, ainda que democráticos. (isso me faz lembrar o "Ensaio sobre a Lucidez", de Saramago).
Mas não posso deixar de observar os "vários-pesos-e-várias-medidas" na política internacional. Porque não chamam de antidemocrático um Putin, russo, que à luz dos órgãos fiscalizadores internacionais fraudou todas as últimas eleições nacionais? Há quanto tempo ele está ininterruptamente no poder? E o que ele tem de diferente de Chaves ou de Morales, já que ele não é regularmente acusado de ditador ou de antidemocrático?

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