quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Democracia???

A tripartição dos poderes é, pelo menos desde o Iluminismo francês, a base do modelo republicano e democrático. Trata-se de um instrumento formal contra a tirania: o poder político é repartido em três - executivo, legislativo, judiciário. No Brasil, de tradição patriarcal e coronelista, é sabido que o presidente, poder executivo, interfere nos demais. Mas isso até certo ponto. Há limites, que precisam ser negociados.
O legislativo brasileiro é alvo de descrença pública justamente porque cede demasiadamente nas negociações políticas. Qual o brasileiro que acredita na eficiência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal?
Já o judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal, tem mais autonomia. Apesar dos ministros que o compõem serem indicados pelo presidente - e não eleitos por voto popular, o que permite ingerência - o fato dos cargos serem vitalícios garantem maior liberdade: não estão sujeitos a ameaças de demissão ou outras formas de coerção política.
Um fato ocorrido ontem - e que talvez passe batido para a maioria da população - representa, a meu ver, a mais flagrante expressão do desrespeito a essa tripartição de poderes que caracteriza as bases da república democrática. Entendam os leitores que não escrevo com ingenuidade: eu já disse que ingerências existem, lamentavelmente são corriqueiras. Mas não como a que ocorreu ontem.
Dois são os diferenciais. Primeiro, o fato de envolver o Judiciário, poder que se mantinha mais ou menos afastado da corrupta relação executivo-judiciário. O outro, o fato do contato ter sido direto e explícito entre os envolvidos. O candidato Serra telefonou diretamente para o ministro Gilmar Mendes, e este, obedientemente, interrompeu uma votação que poderia desfavorecer interesses da campanha do tucano. Não sabia o Serra que encontravam-se por perto jornalistas da Folha de S. Paulo, que ouviram a conversa.
A reportagem está disponível aqui.

Em tempo: o que estava em votação no Supremo? A necessidade ou não de apresentar dois documentos - RG e Título de eleitor - para votar nesta eleição. Tradicionalmente basta apresentar um documento com foto - o RG. A campanha de Serra busca garantir que sejam necessários os dois documentos, dificultando assim que a população menos esclarecida efetive seu voto, por não dispor do título eleitoral em mãos.
Em tempo 2: Quando a votação foi interrompida, 7 dos 10 ministros já haviam votado a favor da dispensa do título de eleitor. Tratou-se apenas de manobra para adiar a decisão, pois o resultado já está dado.
Em tempo 3: Se a votação não for concluída hoje, no domingo os eleitores serão obrigados a apresentar os dois documentos. Lamentável.

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