sábado, 7 de março de 2009

Fogueira no séc. XXI

Para um observador mais crítico ou para alguém que procura evitar as influências da moral e dogmas religiosos, um fato recente certamente chama a atenção, causa espanto (e é, portanto, objeto da reflexão filosófica): evidentemente trata-se da condeção da igreja católica ao aborto realizado na menina, de 9 anos, que engravidou do padrasto de 23, por quem era regularmente violentada há 3 anos (portanto, desde a sua sexta primavera, ou inverno).
Segundo noticiado pela imprensa, o arcebispo de Olinda e Recife, José Cardoso Sobrinho, excomungou ou defendeu a excomunhão (órgãos de imprensa diferentes noticiaram versões diferentes do fato) da equipe médica que realizou o aborto. A menina grávida, de 9 anos, corria evidentes riscos pela gravidez.
De todos os espantos causados pelo fato, para este observador mais cético a quem me refiri no início do texto, certamente o que menos espanta é a postura da igreja. Vamos lá:
Por que alguém se espantaria com o fato da igreja católica, apostólica e romana - na tradição da qual fui criado - preferir defender um de seus tabus, a condenação incondicional ao aborto - em lugar de defender a condição física e psicológica de vida da criança há tanto tempo violentada? Quantas mortes não pesam sobre os ombros desta mesma igreja, seja pela "santa" inquisição medieval (que no Brasil, por exemplo, durou até as vésperas da contemporaneidade!), seja pelas relações políticas do século XX - veja-se, por exemplo, o livro O papa de Hitler, de John Cornwell. Este observador cético, imaginário talvez, possivelmente não entende como coincidência o fato do papa Albino Luciani, o João Paulo I, ter morrido subtamente, apenas 1 mês após sua nomeação ao papado, dando lugar justamente a um polonês (Karol Wojtyla), originário da nação que se rebelava contra o socialismo soviético em plena guerra fria...
Se até um papa pode ter sido morto pela própria igreja, quem se espantaria com o fato desta mesma instituição não zelar pela vida da garota, violada, se para isso teria que secundarizar seu dogma anti-abortivo?
Para que não se diga que a condenação ao aborto praticado, mesmo nessa trágica condição, foi iniciativa pessoal do bispo local, indico a leitura da breve nota da CNBB, que reunida em Roma - bem distante do flagelo nordestino - lamenta que a criança forçosamente engravidada teve a vida salva, pelo aborto.
Pessoalmente, torço pela excomunhão dos médicos. Sei que, política que é, a igreja não o fará frente a tanta repercussão. Mas gostaria de vê-los, aos médicos responsáveis, ao lado de Copérnico e Galileu, no início da modernidade, ou do Leonardo Boff (ver três postagens abaixo), atual, condenados pela igreja por fazer o que é certo.
Cuidassem de seus pedófilos, em lugar de condenar o uso de preservativo e polemizar absurdos como esse presente, muito estariam fazendo em nome de Deus.
Lamentável.

2 comentários:

Hugo A. Matos disse...

A mim também não gera espanto algum Daniel. Aliás, o que também não me gera espanto algum, é o fato de que muitos católicos apoiam a prática deste dogma. O que realmente me causaria espanto e um prazeroso espanto, é se lideranças católicas (se é que ainda existem líderes católicos que pensam por si), se manifestassem contrários, em solidariedade à menina! Abraço.

Daniel Pansarelli disse...

Certamente, Hugo, seria uma importante manifestação na "dialética do poder", da igreja católica...