quarta-feira, 4 de março de 2009

Pecado & Capital


Há alguns anos assisti uma palestra do prof. Jung Mo Sung na Metodista, que foi posteriormente registrada sob o título "É obsceno, mas é bom ter algo que poucos têm!", no livro Fenomenologia e Análise do Existir (Ed. Metodista, 2000).
Em seu texto, que pode ser entendido como uma aplicação mais "humanizada" e "atualizada" da idéia fundamental de fetichismo, no sentido marxista do termo, o autor expõe contradições do mundo contemporâneo: coisas que são boas, mas obscenas; objetos que, na sociedade, têm comumente duas interpretações - e geralmente a interpretação que se reconhece como menos adequada tem mais força, ganhando mais adeptos conscientes da sacanagem em curso; numa palavra, explicita como é comum se escolher o errado mesmo sabendo que é errado, em função de um benefício pessoal não raro prejudicial ao outro.
Mas isso tudo não é de espantar ninguém: essa é a lógica (?!) do capitalismo: destaca-se aquele que tem mais que os outros, o que pode se dar de duas formas: garantindo para si condições melhores que as dos outros, ou garantindo para os outros condições piores que as suas. Penso que foi mais ou menos o que os Racionais Mano Brown e Edy Rock expressaram em sua letra Mano na porta do bar:

A LEI DA SELVA - CONSUMIR É NECESSÁRIO
COMPRE MAIS COMPRE MAIS
SUPERE O SEU ADVERSÁRIO
O SEU STATUS DEPENDE DA TRAGÉDIA DE ALGUÉM
É ISSO CAPITALISMO SELVAGEM
ELE QUER TER MAIS DINHEIRO O QUANTO PUDER
QUAL QUE É DESSE MANO ?
SEI LÁ QUAL QUE É


Antes de terminar, quero chamar a atenção para o que motivou essa minha postagem. Uma das coisas que mais me chama a atenção (não só a mim, claro) na leitura d'O Capital, de Marx, é o processo de mercantilização da força de trabalho. Em outras palavras, como os humanos tornam-se mercadoria, contratados (alugados) que são por outros humanos, para doar-se (vender-se) em horas diárias de trabalho. A mercantilização da força de trabalho implica em aceitarmos, na sociedade, tratarmos humanos como objetos. E, como no capitalismo, é preciso superar, ter mais que o outro, conquistar, comprar ou roupar para si um outro ser humano também é parte (obscena, mas boa) do jogo. Apenas assim posso entender os fatos relatados por Rui Castro nesta sua coluna publicada hoje na Folha de S. Paulo:

Inocentes e indefesas

RIO DE JANEIRO - Uma estudante de 18 anos disse ter sido estuprada dentro do campus de sua universidade, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, no fim de semana passado. O homem a teria seguido na rua, entrado no campus com ela e, à força de uma arma, levado a garota para uma área deserta do prédio e a violentado.
Nesta segunda-feira, a polícia de Alagoinha (230 km de Recife, PE) prendeu um homem de 23 anos, suspeito de violentar sua enteada, de 9 anos. A menina engravidou de gêmeos, está no quarto mês de gestação e terá de abortar. O rapaz confessou ter estuprado também sua outra enteada, de 14 anos, portadora de deficiência física e mental. A mais nova contou que era obrigada a fazer sexo com o padrasto desde os 6 anos.
E, também no sábado último, outra menina de 6 anos foi encontrada violentada e morta num bairro de Frutal (611 km de Belo Horizonte, MG). Um lavrador, acusado do crime, confessou ter encontrado a pequena na rua, atraído-a para sua casa sob promessa de lhe dar bombons e se despido. Ela se assustou e ameaçou fugir; ele então a esfaqueou e a estuprou.
Essas são apenas algumas das últimas notícias. Mas é raro o dia em que o jornal não registre miséria parecida. Tem-se a impressão de que a incidência desse tipo de crime aumentou. Pelo visto, a enorme oferta de sexo na sociedade moderna, ostensiva na televisão, na propaganda, na moda etc., não é para todos. Apenas estimula a que alguns queiram a sua parte nem que seja na forma de garotas inocentes e indefesas.
A geração de 20 anos em 1968 tinha tanto sexo à disposição que não cogitava sequer recorrer a profissionais. O mundo parecia maduro para uma linda democracia sexual, em que todos viveriam à farta nesse departamento. Esquecemo-nos de que não há nada como o homem para desmoralizar uma utopia.


Assista uma versão de Mano na porta do bar, dos Racionais MC's:

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