sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Coerência e Fantasia


Para terminar 2010 e, portanto, começar 2011, reproduzo abaixo um texto de Contardo Calligaris que vinha guardando há algum tempo. Não esperava uma data especial ou algo assim, apenas algo que soasse como oportunidade para publicá-lo aqui, no blog. Originalmente foi publicado na Folha de S. Paulo.
Pensei que seria oportuna reflexão para este momento, em que planejamos (sabe-se lá por que?!) o próximo ano.



CONTARDO CALLIGARIS

A coerência é um valor moral?
A coerência é o último refúgio de quem tem pouca fantasia e, talvez, de quem tem pouca coragem


NO FIM de semana retrasado, estive em Olinda, na Fliporto (Feira Literária Internacional de Pernambuco). No sábado, Benjamin Moser, que escreveu uma linda biografia de Clarice Lispector ("Clarice,", Cosac Naify), lembrou que, na famosa entrevista concedida à TV Cultura em 1977, a escritora afirmou que não fizera concessões, não que soubesse.
Moser acrescentou imediatamente que ele não poderia dizer o mesmo. E eis que o público se manifestou com um aplauso caloroso.
Talvez as palmas de admiração fossem pela suposta coerência adamantina de Clarice, que nunca teria feito concessões na vida. Talvez elas se destinassem a Benjamin Moser pela admissão sincera de que ele (como todos nós) não poderia dizer o mesmo que disse Clarice.
Tanto faz. Nos dois casos, o pressuposto é o mesmo. Que as palmas fossem pela força de caráter de Clarice ou pela honestidade de Moser ao reconhecer sua própria fraqueza, de qualquer forma, não fazer concessões parecia ser, para os presentes, uma marca de excelência moral.
A pergunta surgiu em mim na hora: será que é mesmo? Posso respeitar a tenacidade corajosa de quem se mantém fiel a suas convicções, mas no que ela difere da teima de quem se esconde atrás dessa fidelidade porque não sabe negociar com quem pensa diferente e com o emaranhado das circunstâncias que mudam? Aplicar princípios e nunca se afastar deles é uma prova de coragem? Ou é a covardice de quem evita se sujar com as nuances da vida concreta?
Como muitos outros, se não como todo mundo, cresci pensando que não fazer concessões é uma coisa boa.
Fui criado na ideia de que há valores não negociáveis e mais importantes do que a própria vida (dos outros e da gente). Talvez por isso me impressionasse a intransigência dos mártires cristãos (embora eu tivesse uma certa simpatia envergonhada por Pedro renegando Jesus para evitar ser reconhecido e preso).
Durante anos admirei os bolcheviques por eles serem homens de ferro (a expressão é de Maiakóvski, nada a ver com "Iron Man") e desprezei Karl Kautsky, que Lênin estigmatizou para sempre como "o renegado Kautsky", por ele ter mudado de opinião sobre a Primeira Guerra, sobre a revolução proletária, sobre o bolchevismo etc.
Vingança da história: Lênin se tornou quase ilegível, mas a obra principal de Kautsky, que acaba de ser traduzida, "A Origem do Cristianismo" (Civilização Brasileira), continua crucial.
Mas voltemos ao assunto. Hoje, estou mais para Kautsky do que para bolchevique; até porque descobri, desde então, que Mussolini se vangloriava gritando: "Eu me quebro, mas não me dobro". Ele se quebrou mesmo, enquanto eu me dobro e posso renegar ideias minhas que pareçam ser, de repente, inadequadas ao momento (dos outros, do mundo e meu).
Olhando para trás, descubro (com certo orgulho) que, ao longo da vida, fiz inúmeras concessões, inclusive na hora de escolhas fundamentais. Poucas vezes lamentei não ter sido coerente. Mas muitas vezes lamento não ter sabido fazer as concessões necessárias, por exemplo, na hora de ajustar meu desejo ao desejo de pessoas que amava e de quem, portanto, tive que me afastar.
Alguém dirá: espere aí, então a fidelidade a princípios e valores não é uma condição da moralidade?
Estou lendo (vorazmente) "O Ponto de Vista do Outro", de Jurandir Freire Costa (Garamond). O livro é, no mínimo, uma demonstração de que a forma moderna da moral não é o princípio, mas o dilema. E, no dilema, o que importa não é a fidelidade intransigente a valores estabelecidos; no dilema, o que importa é, ao contrário, nossa capacidade de transigir com as situações concretas e com os outros concretos.
A coerência é uma virtude só para quem se orienta por princípios. Para o indivíduo moral, que se orienta (e desorienta) por dilemas, a coerência não é uma virtude, ao contrário, é uma fuga (um tanto covarde) da complexidade concreta. Oscar Wilde, que é um grande fustigador de nossas falsas certezas morais, disse que "a coerência é o último refúgio de quem tem pouca fantasia" e, eu acrescentaria, de quem tem pouca coragem.
Resta absolver Clarice. Aquela frase da entrevista era, provavelmente, apenas uma reverência retórica a um lugar-comum de nosso moralismo trivial.

(Publicado na Folha de S. Paulo, em 25/11/2010)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Adeus a Lipman

Faleceu o professor e filósofo Matthew Lipman, criador do programa de filosofia para crianças nos EUA. Seu modelo de ensinar filosofia, ousado, repercutiu e repercute em vários cantos do mundo. No Brasil, de forma especial. Foi amplo o movimento de difusão de sua obra, em especial de seu programa de ensino. O que ocasionou, também, a produção de eficientes críticas, reelaborações, de suas teorias e métodos, num processo de construção teórica dialética explícito, tal como não se vê com facilidade no presente filosófico.
Penso que no Brasil, a maior expressão desta apropriação, crítica e reelaboração filosófica do processo de ensino com crianças - com, não para crianças, o que já reflete uma crítica - está registrada nas produções do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar, da ANPOF (veja aqui)
Há alguns anos, participei de um grupo que também discutia o tema, o NEFiC. Certamente menos denso e mais informal, os registros das atividades (desatualizados, é verdade), podem ser acessados aqui.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Deus é pai

Uma brincadeira de natal, nesta época em que são tantas as belas mensagens uníssonas que circulam pelos e-mails:



Para assistir este mesmo vídeo no site Porta Curtas, clique aqui.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Moda que passa

As modas passam. Roupas, estilos, cores, formatos, tendências... coisas que mudam a cada estação (ou, às vezes, em bem menos tempo). A arte também vem sendo dominada por modismos, como já denunciavam Adorno e Horkheimer: a semicultura produzida pela indústria cultural espalha-se em lugar da cultura efetiva, factualmente culta. Gera o emburrecimento, no geral.
Os artistas da moda não permitem uma imersão em suas obras. No geral, porque elas não têm profundidade (ou, como diz um amigo, têm a profundidade de um pires). Por isso não se enraizam na história: passam; acabam; simplesmente vão sem nada deixar. Eu posso citar uma ou duas dúzias destes artistas que passaram como feitores de modismos nos últimos anos. Na verdade, não posso... porque não me lembro deles. Provavelmente você também não.
Há alguns dias, circulou na internet o vídeo abaixo. Um dinossauro é perguntado sobre o que acha de um artista da moda. Sua resposta, um espanto, pode ser motivo da nossa reflexão.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Perspectivas Críticas - Informativo

Reproduzo abaixo o Informativo do Grupo de Pesquisas Perspectivas Críticas da Filosofia Moderna e Contemporânea. Contém um brevíssimo sumário das atividades realizadas neste semestre e uma indicação de parte da programação para os primeiros meses de 2011.
Clique na imagem para ampliar.
Outras informações sobre o Grupo Perspectivas Críticaspodem ser acessadas a partir do meu site.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Direito ateu

A campanha publicitária abaixo foi proibida. Depois de contratos firmados com empresas de transporte público em quatro capitais, os respectivos responsáveis pelas empresas de ônibus e agentes públicos cancelaram a publicidade. Cancelaram depois que viram o conteúdo do material.
É pecado, digo, crime, manifestar sua crença? Que dizer dos símbolos religiosos exibidos nos órgãos públicos? E dos nomes - de ruas, bairros, cidades, estados - que se referem a valores religiosos? Tudo terá que ser mudado, ou só os ateus são caçados? Que dirá a imprensa, tão ávida pela irrestrita liberdade, sobre isso? Aguardemos para ver.Mais informações em www.atea.org.br.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Mestrado na UFABC

Estão abertas as inscrições para o Mestrado em "Ensino, História e Filosofia da Ciência e Matemática", da UFABC. As informações completas estão disponíveis no site do programa (clique)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Demasiado humano

Um trecho de Nietzsche:
"Enquanto o indivíduo, num estado natural das coisas, quer preservar-se contra outros indivíduos, ele geralmente se vale do intelecto apenas para a dissimulação: mas, porque o homem quer, ao mesmo tempo, existir socialmente e em rebanho, por necessidade e tédio, ele necessita de um acordo de paz e empenha-se então para que a mais cruel bellum omninum contra omnes ao menos desapareça de seu mundo".
Uma tirinha de Fábio Moon e Gabriel Bá:

A tirinha foi originalmente publicada na Folha de S. Paulo de ontem.
O texto é extraído de Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, livro que tem uma edição parcialmente disponível aqui.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Coral OSESP na UFABC

Abaixo está o convite para a apresentação que o Coral da OSESP fará na UFABC, em 14 de dezembro.
A organização é da Pró-Reitoria de Extensão da UFABC - site aqui.