terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Sobre a educação a distância

Como eu escrevi há alguns dias, um dos grandes problemas do ensino a distância é a má qualidade das instituições de ensino, que vêm nesta modalidade "não-presencial" uma forma eficiente de aumentar seus lucros mediante a precarização da qualidade da educação. Em outras palavras, o problema não está no EaD, mas sim nas más instituições (que já são más no ensino presencial), que potencializam via EaD seu mau-caratismo.
Minha experiência como professor em cursos a distância, todavia, não passa por esse tipo de instituição. Tenho tido uma boa experiência no EaD, sobretudo porque essa modalidade guarda um diferencial significativo em relação ao ensino presencial: o aluno de EaD tem que produzir, tem que ser ativo no processo de aprendizagem. Não lhe basta estar presente nas aulas (como ocorrem em muitos casos no ensino presencial), apenas ouvindo e muitas vezes anulando suas opiniões e pouco participando. No EaD, o aluno tem obrigatoriamente que produzir textos, expressando assim suas próprias idéias, que entram em debate com as idéias dos professores e tutores... trata-se de um processo mais participativo de construção do conhecimento.
Transcrevo abaixo um trecho de um pequeno texto que escrevi, sobre essa questão. O termo "obra" é utilizado tal qual proposto pela filosofia hermenêutica de Paul Ricoeur. Quem quiser o texto integral pode me solicitar por e-mail:

"Peguemos um caso em particular, uma determinada atividade proposta por um professor específico a uma das suas turmas de ensino a distância. Ao elaborar sua atividade, o docente redige uma obra, um texto escrito – sua principal forma de comunicação com o corpo discente. Esta obra não pode ser apenas a indicação fria de um exercício a ser realizado: ela precisa conter todo o contexto necessário para que o discente, sem muitas explicações adicionais, seja capaz de compreender e realizar a tarefa. Ao elaborar sua proposta de atividade o docente precisa dar a ela, a esta obra, todas as condições de ser interpretada, seja qual for o local ou o momento em que o estudante se proponha a fazê-lo.
[...]Como única forma de resposta ao solicitado pelo docente, caberá ao estudante a criação de uma nova obra, originalmente inspirada naquela proposta pelo professor, mas com um avançado grau de autonomia, especialmente porque: (1) trata-se de uma nova obra; a relação com a anterior é apenas de motivação originária; (2) a obra do docente, que motivou esta nova, já possuía um altíssimo grau de autonomia em relação à intenção original do seu autor, o professor, visto que havia sido publicada e recontextualizada. Percebe-se, assim, que o discente é duplamente autor, seja como autor da interpretação do texto de seu professor, seja como autor de seu próprio texto, escrito em resposta àquele primeiro. Fica aqui entendido que o ciclo é contínuo, ou seja, que a obra do discente gerará novo texto do professor, que sofrerá outra reação do estudante e assim ao longo de todo o processo de aprendizagem.
O fato da interlocução se fazer por intermédio de obras, e não pelo diálogo pessoal e direto característico da educação presencial é fundamental no processo de autonomia discente. No diálogo presencial, o face a face é justamente o elemento que permite que o autor de determinada afirmação iniba seu interlocutor caso este último não interprete a afirmação ao contento do primeiro. E esta proximidade, na relação educacional presencial, comumente reafirma a força hierárquica culturalmente presente na interação entre professores e alunos. A ausência do face a face é o elemento que garante ao discente a possibilidade de autonomia, sem que seja imediatamente corrigido caso sua interpretação esteja incorreta – ou seja, não esteja ao contento do docente."